OS AÇORES NA POLÍTICA INTERNACIONAL de JOSÉ MEDEIROS FERREIRA
O papel que os Açores desempenharam na política internacional não se resume a uma resenha histórica desde os finais do séc. XIX até aos nossos dias, neste livro de José Medeiros Ferreira. Pelo contrário. A análise lúcida dos acontecimentos, a revelação de alguns documentos, as comparações inteligentes incluindo afirmações ousadas e o desfazer de mitos estão felizmente muito para além do coleccionismo eventual que caracteriza outros trabalhos e autores de História Contemporânea e Relações Internacionais, cuja perspectiva tende, por vezes, a inibir-se perante o ainda protagonismo vivencial dos que lá são referidos. Não é, pois, exagero dizer que José Medeiros Ferreira adopta efectivamente “uma nova forma de pensar a região e de conceber a sua articulação com o mundo”, como se lê na contracapa.
Determinar a importância dos Açores no panorama geoestratégico mundial é uma questão tão antiga quanto falada, porém raras vezes apreendida pelos próprios açorianos dada a sua complexidade e intensidade dos diversos jogos de influências. Como bem afirma e demonstra o autor nestas páginas, os Açores não foram sujeitos dos acontecimentos, apesar da sua importância posicional; foram, isso sim, objecto usado por outros sendo o seu relevo absolutamente determinado por circunstâncias históricas e eventos políticos que em muito os ultrapassaram.
Cronologicamente, a obra inicia-se com o estabelecimento da rede de Cabos Submarinos e, quase simultaneamente e em estreita conexão, do Observatório Meteorológico no Faial. Tratavam-se, à luz da época, de meios de transmissão tecnológicos avançados e de equipamentos científicos cuja importância foi amplamente usada, mas também cujo cobiçado serviço chegou a ser – como seria de esperar em questões políticas – motivo para neutralização e sonegação de informações.
Assim, as ilhas, e nomeadamente o Faial, mercê da sua localização geográfica ímpar entre continentes, começaram por ser encarados como plataformas logísticas ideais para a implementação de inovações científicas e tecnológicas.
José Medeiros Ferreira aliás, nunca abandona a ideia de que esta ainda é e será sempre a principal mais valia dos Açores no quadro internacional, oferecendo também como exemplos mais recentes a Estação Iternacional de infra-sons e detecção de ensaios nucleares da Graciosa, a estação da Agência Espacial Europeia (ESA) em Santa Maria – o mais avançado que Portugal possui no âmbito da tecnologia espacial – e mesmo a Região de Informação de Voo desta ilha (que em conjunto com a de Lisboa tem uma área 51 vezes superior à do Continente português) e, finalmente, o Departamento de Oceanografia e Pescas e o Instituto do Mar no Faial que, segundo o autor, é uma instituição ímpar que ocupa o 14º lugar a nível mundial na sua área de investigação, consitutuindo, portanto, um dos principais pilares da excelência oceanográfica actuais.
Esta distinção é tanto mais importante quanto José Medeiros Ferreira crê que os Açores estão em plena mudança de paradigma quanto às suas relações com a política europeia, nomeadamente em termos contributivos e decisivos, nos quais se destaca indubitavelmente a área da Política Marítima. Naturalmente que aqui entramos num campo prospectivo, mas considerando os eixos à volta dos quais esta política se organiza a nível europeu, fácil é verificar que os Açores acrescentam algo e não são apenas a fonte de despesas nacionais que tantas vezes nos fazem crer; vistos por esse prisma, os Açores são uma mais valia para Portugal no âmbito da União Europeia.
José Medeiros Ferreira não deixa de passar em revista a importante situação dos Açores nas duas Guerras Mundiais e no tempo que mediou entre estas, considerando certas jogadas portuguesas (como a importância política que o Governo de Salazar quis atribuir ao acordo francês para a estação de telemetria das Flores que, afinal, não tinha nem tanta utilidade nem tanta pompa como aquela com que a enfeitámos, ou os pedidos portugueses de licença a Londres para aceitar os acordos com os americanos, nomeadamente na época das Grandes Guerras). É também dado destaque a algumas situações que desmistificam certas feridas antigas entre as ilhas, considerando-se umas ainda hoje “roubadas” por outras de um prestígio que anteriormente possuíam. Assim, e reportando-me ao mais localista, o porto do Faial não perdeu a sua importância para S. Miguel porque isso tenha sido ditado pelo poder local mas sim porque a Marinha americana necessitava urgentemente de um porto de maior dimensão na Primeira Grande Guerra; foi a Eastern Telegraph que retirou ao Faial a centralidade das comunicações via rádio no arquipélago, referindo que a montanha do Pico era um impasse a certas transmissões; quando a Marinha deu lugar à Aviação como força primordial, as Lajes da Terceira e a sua grande pista, à época de terra batida, passou a ser o centro dos interesses internacionais nos Açores (sendo, aliás, uma pista melhorada por fundos estrangeiros para seu próprio uso),… e a lista continua, numa óbvia conclusão: as ilhas não se “retiraram” vantagens inter pares; foram utilizadas conforme os interesses momentâneos de outros.
Daqui, advêm duas conclusões fundamentais. A primeira é que algumas ilhas são claramente mais pró-europeias e outras fundamentalmente pró-americanas, mercê de influências e contactos estabelecidos ao longo dos tempos. Isto talvez não tenha tido importância até agora, mas poderá ser crucial no futuro em tomadas de posição nas relações entre “correntes mais continentalistas e outras mais atlantistas”. A segunda conclusão é delicada e analítica: José Medeiros Ferreira expõe, em quadro, os fundos que os Açores receberam de 1990 a 97 do Acordo feito entre as ilhas e os EUA e também os fundos vindos da UE. Numa perspectiva propositadamente comparativa, fácil é verificar porque incentivaram tanto os americanos a nossa entrada na UE: é que quanto mais recebemos da UE, menos recebemos dos EUA.
Nesta obra, estão também analisados os movimentos autonomistas nos Açores à luz da visão internacional sobre os mesmos e ainda a posição que os Açores têm na UE , enquanto região autónoma e ultraperiférica, mas sem o estatuto particular pelo qual optaram as Canárias, nem a excentricidade dos departamentos franceses ultramarinos; ainda assim, mais arquipelágica e oceânica que a Madeira.
Assim, e na opinião de José Medeiros Ferreira, o maior bem dos Açores é a sua unidade insular enquanto Região Autonóma. Porém, esta unidade entre ilhas “não é um dado adquirido tendo em conta a evolução mundial” que poderá levar a uma infeliz desagregação da coesão açoriana (?).
Esta obra de José Medeiros Ferreira é, sem dúvida, muito animadora. Em época de crise geral, o livro contradiz o pessimismismo, dando-nos provas históricas de que os Açores foram uma espécie de joguete num campeonato no qual não tinham voz, mas também apresentando a convicção de que nunca estivemos tão conscientes do nosso poder estratégico e enquanto possível centro de pesquisa como hoje e que nunca tivemos tanto capital humano capaz de o utilizar. Assim, saibamos nós dar valor às pessoas que poderão fazer a diferença nuns Açores, numa Europa e num Mundo em mudança. No entanto, também se adverte que as influências que se movem à volta dos Açores e dos quais as ilhas, pelo seu próprio tamanho e geografia, dependem e interseccionam, não são forças estáticas: hoje, a Europa e a América são continentes cooperantes, mas o futuro poderá ser diferente… Fundamentalmente, para que não se repitam erros do passado e para que os Açores continuem a ter uma palavra a dizer, há que apostar fortemente na coesão inter-ilhas, no desenvolvim
ento de todas e na sua representação equitativa em termos de representação política. É, sem dúvida, um papel que cabe ao Governo. Mas o Governo só faz aquilo que lhe for exigido pelos cidadãos.
P.S.: Este livro iria também ser lançado na Horta este mês de Abril no âmbito do Colóquio Internacional “Os Açores, a I Guerra Mundial e a República Portuguesa no Contexto Internacional”, que decorreu na Biblioteca Pública João José da Graça. Infelizmente, a nossa condição insular ainda condiciona a tecnologia aeronáutica disponível e o apresentador do livro, Doutor Carlos Riley, viu-se impedido de chegar a tempo devido ao cancelamento de avião. No entanto, o livro está por cá e foi discutido, embora não oficialmente lançado. Como disse José Medeiros Ferreira, no término do mesmo: “Por muito que a geografia impere, é o espírito humano que a compreende e utiliza”.
Carla Cook
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Sobre a autora Carla Cook:
Natural dos Açores. Licenciada em Estudos Portugeses e Ingleses (UAçores,2000). Mestre em Cultura e Literatura Portuguesas com uma tese sobre a infância e adolescência na ficção de Vitorino Nemésio. Especializou-se no Ensino de Português como Língua Estrangeira e como Segunda Língua em Lisboa, e em Language Teaching na Universidade de Amsterdão, na Holanda. De 2000 a 2006, ensinou diversos níveis de Português Língua Estrangeira e também Cultura Portuguesa no Departamento de Línguas e Literaturas Modernas da Universidade dos Açores. Depois, foi Professora Convidada na Brock University, no Canadá, onde ensinou Língua Portuguesa e Cultura Ibérica. Ensinou, também, Língua Portuguesa no Consulado dos Estados Unidos nos Açores. Tem participado em várias conferências, sobretudo sobre Literatura Açoriana. Actualmente, ensina Inglês técnico no Departamento de Oceanografia e Pescas da Universidade dos Açores. No âmbito da sua tese de Mestrado, publicou em Lisboa o livro “O Menino Escreve – Infância e Adolescência no Universo Nemesianoâ€, uma obra que fala exactamente sobre o reflexo de Nemésio na sua obra ficcional.