"Porque se nasce numa ilha o mundo é todo ilhas
e a ilha sempre véspera de embarque
assim as coisas são na ilha derradeiras
e no mundo que é ilha as coisas sempre partem…"
José Martins Garcia in: Signo Atlântico,
Angra do Heroismo,1984.
Nasceram entre lavas vulcânicas e o mar indomável. Correram a abraçar o mundo, atravessaram a vastidão oceânica cortando hemisférios e conquistando as terras do seu destino: o extremo sul do Brasil.
A Ilha de Santa Catarina foi o portal de entrada por onde chegou a primeira leva de povoadores. Desembarcaram a 6 de janeiro de 1748, dia consagrado aos Santos Reis, trazendo na mala os sonhos, o desejo da aventura, de querer descobrir outras mundos, de conquistar espaços e de sobreviver com dignidade. Como os Reis Magos que depositaram as suas oferendas ao pé do Deus-Menino depois de uma longa jornada, os açorianos entregaram à terra que os acolhia a sua esperança e a sua fé no Novo Mundo. Era o início da grande saga de um bravo povo, que deixou para trás o mundo pequeno de suas ilhas de origem, São Jorge, Pico, Faial, Graciosa, Terceira, S.Miguel para desbravarem os amplos espaços desde as planuras litorâneas ao pampa gaúcho. Agora, não era mais o nome de suas ilhas que os identificava. Sua identidade passou a ser uma só: "ilhéus açorianos" e com este estatuto escreveram a nossa história. Vitorino Nemésio em Corsário das Ilhas (1983:p.62) registrou que o açoriano civilizou largamente as suas ilhas e ainda teve vagares para ajudar a fazer a terra alheia, sobretudo o Brasil e a América, referindo-se a essa odisséia do século XVIII e à grande corrente da emigração dos séculos posteriores.
Homem Atlântico trouxe consigo a insularidade, a lava vulcânica, o verde das urzes e a maresia impregnando a alma. Foi poeta e cantor de sua saudade, bailou a chamarrita, o pezinho, louvou o Divino e pediu proteção a Santo Antônio e a São Pedro, amainou os campos, arrostou o mar, caçou baleias e construiu cidades. Por baixo da pele, expressão escorreita do escritor Onésimo T.Almeida e que aqui tomo emprestada, transportou seus usos e costumes, sua cultura que frutificou para além do último bastião da expansão portuguesa em terras brasileiras, no continente sul-americano.
A história fala de forma inequívoca que o assentamento de casais açorianos e madeirenses no Brasil Meridional não apenas veio preencher um grande vazio demográfico como fortaleceu a política do utis possidetis, dilatando fronteiras e assegurando a posse do território disputado por Portugal e Espanha. A grande andança açoriana por terras do Sul do Brasil e Uruguai representa mais do que um movimento geográfico, significa um movimento do espírito, indomável, na reinvenção da vida no Novo Mundo, na conquista de sonhos e na certeza de realizá-los em terras da América do Sul. Do lado de lá, o desenraizamento da terra açoriana fincada no Atlântico Norte e na margem de cá a nova raiz plantada e reimplantada, enraizada para sempre.
O assentamento do expressivo contingente humano de 6000 açorianos e alguns madeirenses no território catarinense e gaúcho e a sua expansão para o Uruguai e Argentina deixaram marcas indeléveis desse legado espiritual, dos saberes e fazeres, identificadas no patrimônio edificado, nas danças, nas crenças, costumes e hábitos do cotidiano, nos traços físicos da população, no jeito de ser e estar miscigenados com outras contribuições étnicas.
Um rasto a ser seguido, a ser conhecido, a ser admirado e a ser celebrado pela gente açoriana esteja onde estiver. E muito especialmente, no dia de hoje – 6 de janeiro de 2008 quando comemoramos 260 anos da chegada dos primeiros casais açorianos à Ilha de Santa Catarina: os nossos antepassados, os ilhéus – os nossos AÇORIANOS.
Lélia Pereira da Silva Nunes
6 de janeiro de 2008