PAPO NA CONFRARIA: Artêmio Zanon (*)
por Pinheiro Neto
1– O que te motivou a escrever?
Provavelmente foi uma consequência do ato de ler: livros na pequena estante na escola do interior do Estado de Santa Catarina, na pequena localidade de Santa Lúcia, Município de Videira. Às sextas-feiras, após a última aula, quem quisesse, havendo disponíveis, podia levar um livro para casa e devolvê-lo no início da aula, na segunda-feira… E contar o que se leu para a professora. Depois, no ginásio (e naquele tempo, além da cartilha, e dos quatro anos do primário, havia o exame de admissão ao ginásio), entre meus doze e quinze anos, período das quatro séries, o fantástico encontro com a monumental obra Tesouro da Juventude (Reunião de conhecimentos essenciais, oferecidos em forma adequada ao proveito e entretenimento das crianças e adolescentes), em dezoito volumes (sendo o primeiro do ano de 1952 e o último de 1954), e eu concluí o ginásio em 1955. Essa preciosa obra, há poucos anos, consegui adquiri-la em um sebo. Foi também nessa obra, além da coletânea Anthologia Nacional de Fausto Barreto e Carlos de Laet, e outras coletâneas de caráter didático, que conheci os meus Poetas, passando a escrever versos, feito um Gonçalves Dias, um Casimiro de Abreu, um Castro Alves, um Fagundes Varela, um Olavo Bilac, entre outros. E hoje, o poetinha de então… há muitos anos, com mais de trinta livros de poemas, só (sobre)vive em função do ler e do escrever, como reconhece o Acadêmico Celstino Sachet.
2– Cite os três livros (e respectivos autores) mais significativos em tua vida?
Um livro em setenta e dois: a Bíblia (nela, o universo da realidade e da fantasia humanas, até hoje, ainda que com as mudanças da evolução do homo faber sapiens), é a grande fonte de efetiva significância de leitura em minha vida. Os outros, autores e livros, com raríssimas exceções, somos todos perecíveis, limitados, passageiros, quase sempre produtos e frutos de momentos e interesses.
3– Indique um livro (Literatura Brasileira) para leitura de:
a) Alunos do Ensino Fundamental (5ª a 8ª séries)
b) Alunos do Ensino Médio
c) Alunos do Ensino Superior
Permita-me enveredar na omissão. Como tenho certeza de que ninguém citará qualquer obra das minhas para esses “graus de ensino”, não avalizo nenhum (e tenho verdadeiro horror dessas obras literárias didáticas da atualidade…).
4– Como se dá o processo da escrita em tua prática cotidiana?
Nos, não mais do que dez por cento de “inspiração”, mais do que noventa por cento são de obstinação: procuro ser severo para comigo mesmo: a palavra adequada, a lógica, o bom-senso, a paciência necessária em dar um texto como “definitivo”, jamais a pressa em “produzir” e imediatamente publicar. Alguns de meus livros dados a lume, nos últimos dez anos, são frutos de minha juventude e idade adulta (estou na véspera de 73 anos).
5– Fale sobre o apoio dispensado pelos setores público e privado à Literatura.
Outrora, pela legislação de “incentivo”, quando um Escritor tinha uma obra “aprovada”, e lhe era dado um “Certificado” autorizando a captação de recursos, penso que a “coisa” funcionava. Quanto ao atual “apoio dispensado pelo setor público”, tenho minhas desconfianças e restrições. Quanto ao setor privado, há que se ter apadrinhamento.
6– Fale sobre o papel das Academias de Letras em relação à Língua e à Literatura?
Tanto em “Academias de Letras”, quanto em “Associações Literárias”, a “Língua” se vê muito ferida, e quanto “à Literatura”, em todas as entidades literárias, com todo o respeito ao ego do fazer literário de cada um, existem verdadeiros “analfabetos”.
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Contemplário de gaivotas
Palpita em mim esta ilha catarina
com suas veredas mais contraditórias:
– argonautas perdidos na neblina,
– sonhos ardentes, tardes merencórias.
É que em minha alma americalatina
ouço canções em águas sem memórias,
descubro cinzas sem qualquer ruína
e atento busco marcas divisórias.
Nem só de lendas é este meu anseio
que me impele a vagar por estas rotas
gravando ao fogo o canto que semeio.
Absorto contemplário de gaivotas
perco-me no que nos seus voos leio
em terra firme e em ilusões remotas.
-.-.-.-.-.-.-.-.-
Minha pedra no caminho
No meio da vida levei um tombo
levei um tombo no meio da vida
levei um tombo sem ver pedra alguma.
Jamais me esquecerei desse caminho
que no meio da vida – árdua fadiga! -,
me surpreendeu em termos sem medida.
Que no meio da vida levei um tombo
jamais me esquecerei neste caminho
no meio da vida que a entendo só uma.
No meio da vida levei um tombo
levei um tombo em pedra nenhuma
no meio do caminho de minha vida.
-.-.-.-.-
Semeador
Encontro verdadeiro sortilégio
no verso que me expõe sem subterfúgio
como se eu fora um último vestígio,
salvado, por acaso, de um naufrágio.
Poeta – meu humano privilégio
é em mim mesmo poder achar refúgio
quando me envolvo em cônscio litígio
sendo-me esta aura d’alma o são sufrágio.
Mais que em ascese, faço um sacerdócio
esta existência que me tem sem vício
quanto posso, com toda perspicácia.
Nesta tarefa, a quem ter por consócio?
– Sei o que basta para o meu ofício
e humilde dou-me à messe com audácia.
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Vinho branco
Niágara, Moscato ou Sauvignon,
Riesling, Malvásia e mesmo o Poverela,
todos lembram a tez de uma donzela,
da regra não fugindo o Semillon;
por isso incluo o lúmino Herbemont.
Esta aparente insipidez da tela
põe-me a cantarolar La Virginella
que, ao final, tem o desejado tom.
Sou luz, adaga, pão saído ao forno
e no esbolhar da taça sempre arranco
mil vozes mesmo do bebum mais morno.
No ritmo lírico que agora estanco
ferve-me o ser e quase que em transtorno
brindo a ti que me lês com vinho branco.
(*) Poemas do livro: Contemplário de Gaivotas,2003
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Nota: ARTEMIO ZANON, nascido no dia 12 de maio de 1940, em
Perdizes, 9° Distrito de Campos Novos (SC), atual Município de Videira, é
imortal da Academia de Letras de São José, da Academia Catarinense de
Letras na qual ocupa a cadeira 37 e da Academia Desterrense de Letras cadeira 21.
Estudou Direito na Faculdade de Direito da Universidade do
Estado da Guanabara em 1969, ano em que lança seu primeiro livro de
poesias, Canção da Vida Amor.
Hoje com mais de trinta livros publicados é um dos grandes nomes da Literatura dos Catarinenses.
Prod.Literária recente:Cinco Poemas Dramáticos(1999),Contemplário de Gaivotas (2003) CANTO DA TERRA-HOMEM, Ed. Insular(2004),Tempo de Execução (2008)