A última vez que estive com o escritor Fernando Aires foi em fins de outubro de 2009 em Ponta Delgada. Um Outono ensolarado! Participávamos do Congresso “Escritas Dispersas.Convergência de Afectos” pela Direção Regional das Comunidades,tendo à frente Àlamo de Oliveira. Um Encontro que reúniu nas dependências da Universidade dos Açores cerca de uma centena de escritores, tradutores e divulgadores do Mundo da Diáspora e do Mundo Ilhas.
Encontrei-o ao lado do amigo de sempre,desde os bancos escolares e das tertúlias do Bar Jade, Eduíno de Jesus. Um delicioso abraço de (re)encontro e o desejo de retomar uma conversa que ficara para trás,no ontem 2006 se não estou enganada. No curto tempo de intervalo para um “cafezinho” falamos de tudo um pouco. Mas,tenho a absoluta certeza que não lhe disse o quanto admirava o escritor. Quanto gostava da sua escrita limpa,franca,doce, observadora atenta da realidde insular ora intimista, ora aberta como o imenso Atlântico que nos cerca. Não disse. Ficou a palavra retida e o nó preso na garganta. Quem sabe para desatá-lo um dia numa outra dimensão. Ficou a lembrança do sorriso sereno e afável, o instante guardado em muitas fotografias ao lado dos particiantes do Congresso,todos amigos seus. Ficou uma imensa saudade de um tempo passado. Afinal,era uma vez o tempo…
Ao encerrar,deixo um grande abraço a sua família e aos seus muitos amigos que no correr dos dias tiveram o privilégio de partilharem do mundo de Fernando Aires,o senhor Escritor dos Açores.
Sobre os Açores e sobre o sentimento da Amizade,a sua palavra: única,verdadeira e sábia.
Em Diário I (6 de Fevereiro de 1985),escreveu:
“Esta terra açoriana,fragmentada e atirada a distância,pedaços de lavas dispersos pelas crateras da desaparecida Atlântida,agiu sobre a alma insular sempre em dois sentidos de fugas opostos: – um,na horizontal,de migração para longes terras:outro,na vertical,na direcção da divindade. Expansão e recolhimento interior – dois movimentos antagónicos com a mesma raíz de ínsula. Dualidade conflituosa que oscila entre o intimismo e a abertura ao mundo,entre a tensão e a distensão,entre o silêncio e a fala com os estranhos. Algo de cambiante e instável,como o solo sísmico,como a paisagem e o clima,onde as fronteiras entre a imobilidade e movimento,entre luz e sombra, entre terra e água não são bem nítidas. Por pouco não somos místicos. Por pouco também não somos “conquistadores” de continentes. Ficámos sempre a meio caminho entre o ter e o ser,entre a realidade e o sonho,entre a realização e a frustração – simbolicamente marcados no mapa a meio do Atlântico,entre dois mundos,sem pertencermos decididamente a nenhum…”
Diário III (28 de Dezembro de 1991),p.86
“Ao amor e à amizade é preciso reinventá-los,limpá-los do pó das palavras mal soantes e das que não foram ditas. Criá-los junto ao peito,na abundãncia dos sentimentos. Fazer deles um banquete festivo e inexplicável,todo feito de harpejos de prazer e das formas belas do imaginar. Assoprar neles o fogo oculto do que foi dito e sentido na hora máxima do contentamento.”
Lélia Pereira Nunes
Lisboa,9 de Novembro de 2011