Encontrava-o frequentemente, quando ele vivia em Évora. Já há algum tempo, mais raramente, quando de Lisboa se deslocava para o Teatro, para os amigos. Quase sempre encontros fortuitos, de rua, sob as arcadas, na Praça do Giraldo ou em outra qualquer, mas que se transformavam de repente em conversa de amigos, sem tempo e sem pressas, mesmo que a brevidade nos assaltasse. Desfiavam nas palavras as andanças do teatro, a lúcida crítica das políticas ou não políticas culturais, os amigos comuns, um discorrer saboroso sobre as artes, o tudo e o nada da vida da cidade, os nossos Açores, sem agenda, de coração aberto. Sempre um gozo acrescido encontrar o Mário Barradas. Vou sentir-lhe a falta. Mais um hiato no coração da cidade e no meu.
Faleceu no dia 19 na sua casa em Lisboa aos 78 anos. Natural de Ponta Delgada, S. Miguel, cedo a diáspora o levou. Deixou a advocacia em Moçambique para seguir a grande vocação da sua vida, o Teatro, começando por frequentar a Escola Nacional de Teatro de Estrasburgo. Em várias épocas exerceu cargos públicos, desde o Conservatório Nacional a outras atribuições ligadas ao Ministério da Cultura. E, logo um ano após o 25 de Abril, veio pôr em prática o seu grande sonho, aquilo por que sempre lutou, a descentralização do Teatro, fundando com uma pequena equipa o Centro Cultural de Évora, antecessor do Centro Dramático de Évora (1990), ainda hoje uma instituição de relevo na cidade. Foram anos de grande entrega na produção e encenação de muitas peças teatrais, numa escola de formação de actores, encenadores, técnicos, de referência nacional, na recolha e revitalização de ricas tradições populares, como os Bonecos de Santo Aleixo, hoje embaixadores das marionetas alentejanas por todo o mundo.
Excelente actor, encenador, declamador, o Mário era o mestre e exemplo de uma total dedicação ao teatro. O Cendrev num curto comunicado a noticiar o seu falecimento, afirmava: “Em Évora, fundou o projecto que foi referência da descentralização teatral em Portugal, projecto esse responsável pela formação de várias gerações de actores e germinação de novas estruturas artísticas. Mário Barradas foi um Homem do Teatro em toda a sua dimensão de actor, encenador, pedagogo e pensador de políticas teatrais.”
Só conheci pessoalmente o Mário Barradas, depois de me fixar em Évora, há trinta anos. As nossas raízes açorianas depressa nos aproximaram e, por vezes, encontrávamo-nos em casa de amigos comuns em longos e animados serões. Foi num desses que o Mário me facilitou uma preciosa gravação feita por ele na Fajã de Baixo em 1975, e que guardo ciosamente, da deliciosa descrição feita por outro micaelense, Laudalino de Melo Ponte, de uma viagem à América e da ida a um concerto em Boston, com a quinta sinfonia de Beethoven.
Vê-lo representar era um prazer pela expressiva naturalidade, boa dicção, acerto e correcta medida nos diálogos, voz funda e cativante nos monólogos. Mas, tanto ou mais do que isso, sempre apreciei nele a desassombrada coerência no palco da vida.
Évora, 23 de Novembro de 2009
Artur Goulart.
Artur Goulart É natural das Velas, São Jorge, leccionou em Angra, foi Chefe de Redacção do jornal “A União” e, mais tarde, foi Director do Museu de Évora. É um especialista em Arte Sacra e tem sido o responsável pelo levantamento do tesouro artístico da arquidiocese de Évora. É autor de vários trabalhos no domínio da arte sacra. É também poeta com obra dispersa, mas sobretudo com muita criação inédita.