Homenagem a Ricardo Reis
mestre
são plácidas as horas
perante o remanso das águas
quase quedas
(nunca se quedam as águas só quase)
do rio em cuja ribeira
nos sentamos olhos brandos
(cinza ainda do fogo que já não)
desunidas as mãos
(lentamente as desunimos)
neste não-desejo
de folhas outonais
seiva serenamente apagada
um não-querer prudente
(prudentemente aprendido)
nas cicatrizes de nós
e nós
mestre
sentados serenamente
perante as horas que restam
(poucas são já o sabemos)
enclausuradas nas folhas
em mansidão arrastadas
pela corrente tranquila
do rio quase em estatez
um ocaso sem fulgor
assim o aprendemos
mestre
sentados à beira do rio
as mãos quedas despojadas
que soubemos desunir
(lentamente o aprendemos)
nem dor nem contentamento
nem cicatrizes nem mágoa
na placidez do que foi
na placidez do que é
as palavras já cessadas
não há eco nem sussurro
senão o da corrente
quase queda
(nunca se quedam as águas só quase)
do rio em cuja ribeira
nos sentamos sem desejos
placidamente
pagãos tristes
e sem flores no regaço
Paula Lima, Quando eu mover a sombra das montanhas, Ponta Delgada, Letras Lavadas, 2015.
Lima, Paula de Sousa (1962), professora, escritora, poeta, nascida em Lisboa filha de pais açorianos, reside e trabalha na cidade de Ponta Delgada, ilha de S. Miguel.