Pelo Poder
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Luis Fernando Veríssimo
No filme “Tudo pelo poder” alguém diz que o único pecado imperdoável num político americano é o pecado da carne — mesmo na forma branda de rapidinhas com estagiárias predispostas. Um dos pré-candidatos republicanos às eleições presidenciais deste ano nos Estados Unidos já foi obrigado a desistir depois que se revelou que ele era um predador sexual.
Muitos homens públicos americanos tiveram que se submeter a um ritual de contrição pelos seus pecados — geralmente com a esposa estoicamente ao seu lado, diante dos repórteres e das câmeras — antes de renunciar ao cargo ou à candidatura.
O que nos leva a pensar no contraste com o Brasil, onde a vida sexual de cada um é raramente um fator na disputa política. Nossos escândalos são assexuados, a vida privada permanece privada mesmo em meio ao maior tiroteio. E há quem diga que alegações sobre infidelidade matrimonial, voracidade sexual, etc. só aumentariam a popularidade de um político brasileiro. Mas não sejamos cínicos.
O filme “Tudo pelo poder” é bom. George Clooney é um candidato a candidato à presidência em campanha numa primária estadual. É um democrata idealizado, com opiniões que o próprio Clooney gostaria de ouvir de um candidato real — ou seja, o que ele esperava que o Obama fosse, e não foi. Seu opositor na primária mal aparece no filme, não tem nenhuma importância no enredo. O conflito acontece dentro da sua equipe, onde, com uma exceção, todos os personagens principais se revelam, de uma forma ou de outra, carentes, digamos, de caráter.
E aí é que está um dos poucos defeitos do filme: o único personagem que se salva, que tem um comportamento ético e que acaba pagando por ser a exceção é interpretado por Philip Seymour Hoffman, que ninguém nunca viu fazer papel de herói moral.
Além do pouco convincente Hoffman, Clooney, que coescreveu e dirigiu o filme, não livra a moral de ninguém, nem do seu candidato ideal. Fez um filme pessimista sobre a falibilidade humana, mesmo dos melhores humanos. O título em inglês, “Os idos de março”, evoca o “Júlio Cesar”, de Shakespeare, mas no filme ninguém esfaqueia ninguém à traição. As traições são mais sutis.
Nota: Crônica publicada com a permissão de Luís Fernando Veríssimo. Fonte:Blog do Noblat, site do O Globo, Rio de Janeiro.http://oglobo.globo.com/pais/noblat/
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Do Autor Luis Fernando Veríssimo
Gaúcho. Nasceu em 26 de setembro 1936, em Porto Alegre, Rio Grande do Sul. Filho do grande escritor Érico Veríssimo.
Jornalista, iniciou sua carreira no jornal Zero Hora, em Porto Alegre, em fins de 1966, onde começou como copydesk mas trabalhou em diversas seções (“editor de frescuras”, redator, editor nacional e internacional). Além disso, sobreviveu um tempo como tradutor, no Rio de Janeiro.
Escritor prolífero.Autor de best-sellers inesquecíveis,como O Melhor das Comédias da Vida Privada e Clube dos Anjos (Col.Plenos Pecados)
É colunista dos jornais O Globo e o Estado de São Paulo. Um dos maiores cronistas brasileiros.
Em 2009 conheceu Ponta Delgada,Ilha de São Miguel numa ação cultural promovida pela Direção Regional das Comunidades
(Congresso Escritas Dispersas e Convergência de Afectos). ( Sua mulher Lúcia tem antecedentes açorianos, dos Arrifes).Em 2011,Luís Fernando Veríssimo e do jornalista Zuenir Ventura, visitaram as ilhas Terceira, Faial e Pico.