Percorrer alguns caminhos da luso-brasilidade presentes na obra de Cecília Meireles, atendendo a diversos olhares sobre ela lançados em Portugal, materializados em vários estudos, será o nosso objetivo, neste breve texto.
Cecília Meireles (1901-1964), brasileira descendente de açorianos, largamente elogiada por Régio, num dos números da revista presença, teve o seu mérito reconhecido em Portugal antes de tal ter sucedido no Brasil.
Com efeito, foi José Osório de Oliveira, um português radicado no Brasil, notável admirador e divulgador da literatura brasileira, quem lhe enalteceu a obra Nunca mais e Outros Poemas (1923). Nesta sequência, o poeta Cassiano Ricardo defendeu a sua candidatura ao “Prémio de Poesia da Academia Brasileira de Letras” que acabou por ser atribuído a Viagem. Aliás, sobretudo até aos anos 40, altura em que recebeu o referido galardão, a autora foi algo incompreendida no Brasil, por ser considerada, provavelmente, demasiado próxima da Literatura Portuguesa. Não obstante, é possível encontrar, na sua formação, rasto de António Nobre, da religiosidade cósmica de Pascoaes ou mesmo de Fernando Pessoa. Todavia, a verdade é que a sua obra sempre reflectiu uma independência e uma certa marginalidade face a alguns aspectos do modernismo então em voga.
Leila Vilas-Boas, no livro Cecília em Portugal, reconstitui experiências da poetisa brasileira, neste país (visitado três vezes), sobretudo nas estadas mais longas, ocorridas em 1931 e 1951. Nesta esteira, refere que esta relação de Cecília com Portugal se desenvolve através de três momentos fulcrais: em primeiro lugar, a realização de conferências em Lisboa e em Coimbra, a convite de Fernanda de Castro e de António Ferro, onde deixou “um rasto de deslumbramento” (2001, p. 22); seguidamente, a publicação de Viagem em 1939, em Lisboa – considerado, em 1950, por Gaspar Simões como “o caso mais notável da poesia feminina de língua portuguesa, e um dos casos mais notáveis das letras brasileiras do nosso tempo”: (1964, p. 353). Por fim, também foi relevante o facto de, fruto da sua experiência como professora na Universidade do distrito Federal, ter organizado, prefaciado e publicado no Rio de Janeiro a Antologia dos Poetas Novos de Portugal (1944), reveladora, ao Brasil e ao Portugal salazarista, da produção do modernismo português – num total de 34 autores, que vão de Fernando Pessoa e Mário de Sá-Carneiro, Jorge de Sena, Miguel Torga, José Régio ou Irene Lisboa. São, no fundo, estas as principais coordenadas para esta breve cartografia da “luso-brasilidade” que revelam uma verdadeira “filia” de Cecília relativamente a Portugal e uma notável proximidade a nível literário, cultural e, de certo modo, também afetivo – para além de ser filha de açorianos, também o seu marido, o pintor Fernando Correia Dias, era português.
Com efeito, foi notória a sua influência nos escritores portugueses, sobretudo nos anos 40 e 50, usufruindo de grande prestígio, como espelham as palavras de Jorge de Sena:
“Irmã de um Fernando Pessoa, de um Rilke, de um Yeats, como eles filha moderna do simbolismo antigo, é Cecília Meireles daqueles poetas para quem o lirismo é simultaneamente um cântico e um sortilégio: um cântico em louvor dos deuses mortos, um sortilégio pelo qual os mesmos deuses ressuscitam. A poesia de Cecília Meireles é daquelas que invertem, pois, as relações temporais: todo o efémero se fixa em momentânea eternidade, e todo o perene flui na música que o sustenta e cria.” (Sena, 1988, p. 24).
Além disso, a sua colaboração em revistas portuguesas não se restringiu à presença, já que colaborou igualmente na Revista de Portugal, Távola Redonda, Primeiro de Janeiro, Lusíada, Ocidente, Mundo Português, para além da luso-brasileira Atlântida.
Nesta esteira, no fascículo 12 da Távola (1950-1954), datado de março de 1952, foram publicados quatro poemas de Cecília Meireles: “improviso”, “sorte”, “14ª canção”, “15ª canção”. Assim, nesse mesmo fascículo 12, o historiador e teórico da literatura, Hernâni Cidade alude ao facto de a poeta ter granjeado tanta admiração em Portugal, ainda antes de tal ter sucedido no Brasil, justificando-o do seguinte modo: “A extraordinária categoria poética de Cecília Meireles foi mais cedo reconhecida entre nós principalmente porque uma geração literária – a geração da Presença – havia criado em Portugal, um ambiente propício à aceitação de mensagens líricas como a sua”.
(cont…)