PENTEANDO A MEMÓRIA – 10
CARLOS ENES
A VISITA DO ALMIRANTE AMÉRICO TOMAZ
As visitas das primeiras figuras do Estado português sempre foram um grande acontecimento nas ilhas. O rei D. Carlos iniciou-as em 1901, havendo depois um interregno até à deslocação do Presidente da República, Óscar Carmona, em 1941, de Craveiro Lopes, em 1957, a que se seguiu o último presidente do Estado Novo, Américo Tomaz.
Decorria o ano de 1962, numa conjuntura de crise, por causa dos rescaldos das eleições de Humberto Delgado, do início da Guerra Colonial, do assalto ao paquete Santa Maria, da invasão indiana às possessões portuguesas, do assalto ao quartel de Beja e à crise universitária. O ambiente era pesado e não deixou de se reflectir na visita, apesar do esforço para que a vinda da autoridade máxima funcionasse como elemento aglutinador face às dificuldades. Os discursos oficiais zurziam nos inimigos da Pátria, nos profissionais da desordem e nos agitadores a soldo do comunismo.
E da parte da oposição chegaram sinais desse descontentamento contra o regime. Pelo correio foram enviadas cartas que continham rectângulos de papel com as seguintes inscrições: “Açorianos e Madeirenses, gritai ao presidente dos ricos: Abaixo Salazar. Quando chegar o Presidente, gritemos na rua: Temos fome, queremos trabalho”. Nada disso aconteceu e a PIDE teve conhecimento desta correspondência enviada clandestinamente.
A componente religiosa abriu as cerimónias com uma missa logo no dia da chegada, por ser Domingo. O resto do programa foi composto por recepções onde pontificavam as autoridades oficiais e completou-se com visitas a diversas instituições.
Como sempre acontecia com visitantes ilustres, realizou-se uma tourada à corda, desta vez no areal da Praia. As passagens pelas freguesias faziam-se de corrida, a não ser quando havia uma paragem para receber flores das crianças das escolas. A Mata da Serreta era, geralmente, palco de algumas actividades e ali se exibiu o Grupo de Folclore da Ilha Terceira, com a participação do conhecido José da Lata.
Muita gente por todo o lado aplaudiu o velho almirante conhecido pelos seus fracos dotes oratórios. Mas nem por isso deixava de improvisar. E numa sessão nos Paços do Concelho frisou que a história da ilha começou com o seu povoamento, frisando que fora “a esta ilha, a Terceira, que foi descoberta também em terceiro lugar. Simples coincidência mas a mostrar que o roteiro das ilhas segue o caminho que os descobridores portugueses seguiram”. E concluiu dirigindo-se ao presidente da edilidade: “Se lhe disser que esta minha visita me é sumamente agradável não direi evidentemente qualquer novidade. Mas se eu disser que ela toca especialmente o meu coração pelo portuguesismo de que esta gente sempre se revestiu é uma verdade que V. Exª gostará de ouvir e que eu gosto de dizer”.
E mais não disse.