Acção Católica – anos 40
PENTEANDO A MEMÓRIA 12
CARLOS ENES
“AS COMÉDIAS”
Já pouca gente se lembra duma grande actividade cultural que se desenrolou na Terceira entre os finais da II Guerra Mundial e o 25 de Abril. Refiro-me às chamadas “Comédias”, teatro popular que abrangeu praticamente todas as freguesias rurais da ilha.
Se o gosto pelo teatro poderá ter pontuado ocasionalmente em épocas mais recuadas, julgo que no período da I República terá sofrido algum incremento por iniciativa de professores primários que ensaiavam com os alunos pequenas récitas. A leitura de poesias, a interpretação de pequenos textos, a montagem de presépios vivos, foram actividades que abrilhantavam determinados festejos. O movimento da Acção Católica, na década de 30, reforçou esse movimento que se alastrou nas décadas seguintes.
A designação de Comédias aplica-se a um espectáculo que era dividido em três partes: a apresentação de um Drama, a que se seguia a Comédia e encerrava com o Acto de Variedades, números musicais.
Acto de Variedades, anos 60
Durante os dias da semana, após uma jornada de trabalho, rapazes e raparigas davam o seu melhor para os levar à cena. Com afinco, estudavam os papéis, aprendiam a colocar a voz, a fazer as marcações ou a acertar as diversas coreografias dos números do Acto de Variedades.
Os cenários eram obra dos artistas locais, com paisagens que geralmente referenciavam a própria freguesia. O guarda-roupa era também obra dos familiares dos artistas, com recurso a objectos e tecidos oriundos da América.
Quando o Grupo considerava que estava em condições de se apresentar em público, estreava-se na freguesia e depois dava a volta à ilha percorrendo os vários salões.
Cena de um Drama, anos 60
Depois da missa-do-dia, um grupo de homens preparava os cenários, para os carregar na camioneta de aluguer. Logo de seguida, os participantes iam chegando, na companhia de alguns familiares, dado que as raparigas não iam sozinhas. Iniciavam, então a viagem até ao local de destino e, aí chegados, eram montados os cenários ao longo da tarde.
As entradas para cada espectáculo eram pagas, dividindo-se as receitas entre a Sociedade que recebia e o Grupo que actuava. Com estas verbas, eram pagas as despesas e os lucros amealhados serviam para iniciar a montagem de novo espectáculo.
O início da Guerra Colonial quebrou o entusiasmo, quando os familiares “botavam luto” por aqueles que partiam, mas mesmo assim os grupos iam sobrevivendo.
As comédias eram uma grande escola para os jovens de ambos os sexos que nelas participavam. Nos ensaios discutiam os enredos, interpretavam os textos e ganhavam hábitos de leitura. Nas deslocações que faziam aos Domingos, contactavam novas gentes, a convivência derrubava barreiras e preconceitos difíceis de ultrapassar na moleza do quotidiano. Eis aqui um tema interessante para pesquisar, aproveitando ainda a experiência de muitos participantes vivos.