Carro com seara
PENTEANDO A MEMÓRIA 13
CARLOS ENES
A produção de trigo assumiu sempre uma posição cimeira no conjunto da economia terceirense, não só para consumo interno como para a exportação. Foi, até aos anos 60, a base do sustento de muitas famílias que se dedicaram ao trabalho agrícola e uma fonte de recrutamento de mão-de-obra, não só para a ceifa como também para a debulha.
O trabalho nos tempos mais recuados era feito na eira por animais que repisavam o trigo durante horas, até ficar separado da palha. Mas no meio da operação, o cereal ficava embrulhado nos dejectos dos animais, como também na terra e na lama, quando chovia. Na fase seguinte entravam as forquilhas em acção e as joeireiras. Separada a palha, competia a estas escolher e separar o trigo, destrinçar o trigo branco do trigo Egipto, o mouro do cevadinho. E para ali andavam dias e dias, levantando a peneira para que o vento levasse a pragana.
trabalho na eira
Os trabalhos na eira davam emprego a muitos jovens que demandavam as casas dos maiores proprietários, como também a muitas mulheres. E por altura das ceifas e debulhas havia festa com cantos e bailaricos.
Mas este sistema de trabalho foi desaparecendo com o aparecimento das debulhadoras. Não tenho dados precisos para a chegada destas máquinas à Terceira, mas há notícias para algumas freguesias rurais nos finais dos anos 30. Um testemunho da época refere que uma debulhadora pode “desbulhar trinta ou quarenta moios num dia. Esta abundância corresponde a trinta ou quarenta eiras paralisadas com os seus cento e cinquenta ou duzentos empregados, isto só num dia. Já tínhamos as serrarias a vapor que anularam as serras braçais, dispersando sem vantagem os que honradamente delas viviam; a abundância de automóveis fez desaparecer as antigas vitórias e landaus diminuindo o consumo do milho que nutria as respectivas parelhas: agora com mais impulso progressivo, chamemos-lhe assim, extingue-se a agradabilíssima faina das eiras; já não são precisos os trilhos empedrados, forquilhas e rodos”.
debulhadora
Embora a modernização tenha contribuído para a diminuição do emprego, a produção de trigo aumentou até aos finais dos anos 60. Pelas ruas continuavam a chiar os carros carregados de searas, com técnicas de acondicionamento que passavam de geração em geração. Épocas houve em que no último dia da ceifa levavam bandeiras empenachadas com ramos de espigas loiras.
Seco e arrumado o trigo, o lavrador garantia o seu sustento. E todas as semanas o moleiro batia-lhe à porta para levar o cereal. E todas as semanas o pão de trigo, que era um luxo, saía do forno, quente e bem cheiroso para regalo da família.