Carroça com passageiros
PENTEANDO A MEMÓRIA 14
CARLOS ENES
Quando conversamos com os nossos avós, apercebemo-nos das dificuldades de outrora em termos de mobilidade. Boa parte das pessoas das freguesias deslocava-se a pé a Angra do Heroísmo ou à Praia da Vitória e, por isso, só lá iam em casos de extrema necessidade. Ainda nos anos 50, era muito frequente encontrar soldados, quando iam de fim-de-semana a casa, fazendo o percurso da Achada a pé, pelo interior da ilha Terceira.
Possuir uma carroça, para uso pessoal, era um luxo. Nos meios urbanos as famílias mais abastadas exibiam pelas ruas os seus “porsches” da época, passeando-se e participando em festejos públicos. Nas freguesias rurais, o carro de bois era usado com frequência para levar pessoas às festas mais afamadas, como as da Serreta, mas as carroças eram o meio de transporte mais frequente. Assim foram surgindo as carroças de aluguer que partiam em direcção ao burgo quando havia clientes. Na própria cidade, ainda havia, em 1924, 14 cocheiras com trens de aluguer.
Para quem vivia para os lados da Vila Nova, havia um ritual nos finais do século XIX que ficou escrito por um pároco da freguesia, Manuel Narciso de Lima. Segundo o seu relato, havia um paradouro junto da ermida do Desterro, pertencendo a um tal José Guecho. Nessa hospedaria havia lugar e mesa própria para toda a classe de pessoas. O pé descalço ficava no compartimento contíguo ao balcão taberneiro; os de “certa aquela” entravam noutro próximo da cozinha; as pessoas “grandes” e senhoras de capa fina subiam para o andar superior onde havia mesa redonda e quartos reservados. Só depois de escovados e convenientemente paramentados é que se descia então ao centro da cidade.
Como se pode constatar, andar de carroça à chuva, ao vento e ao pó era um grande transtorno mas era esse o meio mais rápido em circulação ainda durante uma boa parte do século XX.
As condições melhoraram com o aparecimento do “charabã” (char-à-bancs). Ainda conheci um, nos finais dos anos 50, que pertencia a um senhor da Agualva e fazia o percurso até à Praia. Era coberto com um toldo com pinturas enramadas e levava, nos seus bancos laterais, pouco mais de meia dúzia de passageiros. Por debaixo da carroçaria, penduravam-se as cestas com o farnel ou outros objectos. Era no “charabã” que os rapazes da escola iam à Praia fazer o exame da 3ª ou 4ª classe.
Estes meios de transporte ainda coabitaram com as camionetas, durante algum tempo, até se tornarem obsoletos perante as exigências da modernidade e da velocidade a que a vida corre.