PENTEANDO A MEMÓRIA 23
CARLOS ENES
As danças do Entrudo, que conhecemos nos Açores, são fruto do contributo dos povoadores do continente, bem como de influências dos contactos mantidos com outros povos e culturas.
Não é fácil determinar a época em que estas manifestações se tornaram uma componente fundamental das festas do nosso Entrudo. Nos Açores, as danças saíam em diversas épocas do ano e, no caso da Terceira, nos intervalos das touradas de praça. No início, a dança baseava-se essencialmente numa coreografia com apenas umas quadras soltas, mas nos finais do século XIX o enredo começou a desenvolver-se e a constituir a parte fundamental da dança. Deste modo, não fazia sentido apresentar uma dança no meio de uma praça de toiros, longe da multidão. A partir de então fixaram-se predominantemente na época do Carnaval, repetindo-se com menos intensidade na Páscoa, com fins caritativos.
(dança da Vila Nova, 1931)
Os enredos mais antigos que se conhecem estavam ligados a artes ou ofícios: dança das redes (pescadores), do picão, dos maços, dos ferreiros, carpinteiros, etc. Estas danças existiram praticamente em todas as ilhas, bem como a do Pau das Fitas ou a dos Arcos, mas caíram em desuso. Mantiveram-se na Terceira, atingindo nos nossos dias um movimento que envolve toda a ilha e, por influência da televisão, voltou a conquistar adeptos noutras ilhas, através dos bailhinhos.
Nas danças do entrudo encontramos algumas variantes. A dança de espada, também conhecida por dança de dia, parece ser a mais antiga modalidade; a dança de pandeiro ou da noite e, mais recentemente, o bailhinho. Entre elas existem muitas características comuns, mas também algumas especificidades. A dança de espada é a mais teatral, apresentando um maior número de intervenientes e um assunto mais sério. Nelas, representam-se temas históricos, religiosos ou dramáticos. Nos últimos anos esta variante tem tendência a desaparecer. Nas danças da noite e nos bailhinhos os enredos são mais humorísticos e satíricos.
Todas elas se compõem de três partes distintas: uma coreografia inicial a que se segue a saudação em que se dirigem os cumprimentos ao povo; o assunto, em que é apresentado o enredo que se desenrola de imediato; a despedida, em que se agradece aos espectadores a atenção dispensada. Cada uma destas partes é iniciada e concluída pelo mestre que também dirige as marcas. Nos últimos anos têm surgido danças com dois mestres. Nas danças de pandeiro aparecia frequentemente um velho ou ratão que comentava o enredo com ditos picantes, desbocados, tomando o papel de intriguista e de crítico mais perspicaz. Ultimamente este personagem deixou de ser utilizado. Nalgumas danças aparecem personagens e tocadores que não intervêm na coreografia com os outros dançarinos. Ficam colocados na cauda da dança. Até há poucos anos, só os homens entravam numa dança, representando os papéis femininos. Nos finais do século XX, as raparigas passaram a integrar as danças, inclusive como mestres. A indumentária tem variado ao longo dos anos, com tendência para se ir apresentando cada vez mais colorida. Na primeira metade do século XX, o branco era predominante.
As despesas decorrentes de toda a organização de uma dança – indumentária e transportes – são suportadas pelos participantes. Durante a exibição por vezes faziam-se peditórios para aliviar os custos. Recentemente, a Secretaria Regional da Cultura atribui subsídios que, mesmo assim, não cobrem todas as despesas.
(dança das Lajes -pandeiro).
As danças exibiam-se essencialmente no terreiro ou em casas de particulares. Mas à medida que foram sendo construídas as sociedades recreativas, a exibição passou a ser feita nos palcos e quase só à noite. Famílias inteiras enchem por completo os salões para assistirem a sessões contínuas de danças durante as noites do Carnaval, num festival de teatro popular sem comparação no nosso país.