Placa colocada no Castelo
PENTEANDO A MEMÓRIA 28
CARLOS ENES
Na última crónica fiz referência aos presos políticos do continente que foram encarcerados no Depósito de Presos, em Angra. Nesta, irei salientar a intervenção dos açorianos que, pela sua ousadia, foram também sujeitos a prisão.
Edifício adaptada a prisão
A oposição ao regime de Salazar manifestou-se de várias formas. Nos anos 30, um dos expedientes utilizados por alguns funcionários das repartições de finanças era assumir uma atitude zelosa e cumprir à risca a legislação na cobrança dos impostos. Cito como exemplo, o caso de Manuel Dias Chita, secretário das Finanças do concelho da Ribeira Grande, que era acusado num relatório da Legião Portuguesa de arrecadar verbas de processos antigos, a favor da fazenda, “o que leva as pessoas a protestarem e ele aproveita para atirar culpas ao governo”.
A vigilância constante ao comportamento dos cidadãos pode constatar-se também através desta passagem de um ofício dum governador civil, por altura de eleições: “vou agora mandar tirar uma nota particular daqueles que deviam votar e o não fizeram, para meu conhecimento e também para ajuste de contas na primeira oportunidade, ou mesmo de uma simples lição”.
Se esta apertada vigilância calou a voz de muitos funcionários públicos, foram surgindo outros elementos que se manifestavam através de ações clandestinas, distribuindo propaganda, onde se nota a influência das “forças do Mal” – o comunismo. São essencialmente jovens, ligados aos ofícios, aos meios operários e sindicais, quem desencadeia estas acções, na Terceira e em São Miguel. Propaganda diversa e o jornal Avante eram levados por tripulantes dos vapores da Insulana que tinham contactos com elementos da oposição nas cidades do arquipélago.
Edifício do Tribunal Especial
Na Terceira, em Abril de 1935, foi preso José Vieira Godinho (“Zé Petróleo”), simpatizante do Partido Comunista, por ter distribuído propaganda. Apanhou 450 dias de prisão correccional, cumpridos em Angra, Peniche e Aljube. No mesmo ano, foi julgado em Lisboa, o terceirense Mário Maciel, sapateiro, pelo mesmo motivo. Por razões idênticas também esteve preso o mestre José Machado Melo (“Charuto”) que se “suicidou” na prisão em Angra. No mesmo ano, também foi preso José de Sousa Coelho, filho de emigrantes, regressado da América na sequência da crise de 1929. Distribuía propaganda, vendia selos do Socorro Vermelho e mantinha ligações com os presos políticos no Castelo de Angra, onde esteve preso várias vezes, por curtos espaços de tempo. Posteriormente, esteve empregado na base americana das Lajes e chegou a receber louvores por falar bem o inglês e ser um empregado exemplar. Quando descobriram as suas simpatias pelo comunismo, despediram-no imediatamente.
Em 1938, três jovens com a idade de vinte anos – Fernando Neto Cristóvão, Ângelo da Silva Machado e Mário Areias – hastearam uma bandeira vermelha num mastro do Relvão, à saída do Castelo de Angra, na noite de 30 de Abril, para que ela flutuasse no 1º de Maio. Foram presos e apanharam, em média, cerca de dois anos de prisão. Antes desta acção já distribuíam propaganda e faziam pequenos comunicados com a foice e o martelo colocados pelos próprios em caixas do correio.
Escada de acesso à poterna
A prisão do senhor Fernando Cristóvão gerou muita polémica porque o comandante do Depósito de Presos era violento e proibiu visitas familiares, em épocas como o Natal. Pelo facto de ter sido apanhado de conversa com uma sentinela, esteve vários dias na poterna e o soldado apanhou dez dias de prisão disciplinar. Todas estas ações eram conhecidas da população de Angra que mostrava o seu desagrado.
Para além dos terceirenses, também estiveram presos alguns micaelenses, acusados de preparar uma greve de trabalhadores rurais, e um grupo de graciosenses ligados à chamada “revolta do Bicharedo”. Bicharedo era a alcunha de um curandeiro famoso nos Açores que terá sido preso na Graciosa por influência do farmacêutico que se achava prejudicado no negócio. A população invadiu a prisão, soltou o curandeiro, mas os seus promotores foram presos, acusados de comunistas, como era hábito. Nas palavras do senhor Fernando Cristóvão, “alguns nunca tinham ouvido falar de comunismo, mas saíram da prisão com os olhos bem abertos.”
Nos anos 30, o ambiente em Angra revelava alguma agitação e influências da propaganda comunista. Em 1937, uma informação da Legião Portuguesa local afirmava que em algumas tabernas e sapatarias havia retratos de Lenine e de Trotsky. No final da II Guerra, os anglófilos manifestaram o seu contentamento, colocando bandeiras nas montras de alguns estabelecimentos, estando entre elas a bandeira soviética. Foram dadas ordens para serem retiradas, mas o proprietário do café Mendonça, um velho Democrático, recusou-se a cumprir as ordens. Pelo facto, foi preso 24 horas.