COROAÇÃO DA SENHORA DE FÁTIMA
A devoção a Maria, com uma série de cerimónias religiosas, manifestou-se de forma muito evidente no período da II Guerra Mundial e ainda nos anos seguintes. Por todo o país se realizaram essas cerimónias e a Terceira não escapou à onda de entusiasmo que galvanizou multidões. Nos anos de 1946 e 1947, Angra e Praia, respetivamente, prestaram homenagem à Virgem, com cerimónias muito semelhantes. Por razões de espaço, limito-me a descrever a festa realizada na Praia da Vitória.
No dia 13 de maio de 1947, a Praia coroou uma nova imagem da Senhora de Fátima numa cerimónia que atraiu gente de toda a ilha. Segundo a imprensa, poderão ter participado na festa entre 10 a 15 mil pessoas. A vila engalanou-se para a festa com a colocação de arcos artísticos na entrada de algumas ruas, que estavam atapetadas de verdura, e colchas regionais, de lã ou de seda, dependuradas de janelas e varandas.
(Cerimónia da coroação)
De quase todas as freguesias partiram grupos a pé, com elementos de todas as idades, organizados pelos respetivos párocos. Das de Angra, por exemplo, os peregrinos ouviram missa e comungaram antes de partir, e entre eles contavam-se alunas da Escola Salazar e do Liceu. Pelo caminho rezavam e cantavam cânticos adequados à Virgem. No próprio dia, muitas outras seguiram em camionetas, automóveis, que terão feito mais do que uma viagem, carroças e até de barco.
Na Matriz, as festas decorreram ao longo da semana com novenas e pregações feitas por franciscanos de fama. A vila preparou-se para receber os peregrinos, organizando casas para lhes matar a sede e lavar os pés, oferecendo toalhas e bacias. Vários praienses distribuiram chá aos peregrinos. Os Escuteiros tiveram um papel importante na organização destes serviços de apoio. Na Matriz, na noite de 12 para 13, houve uma velada, o templo manteve-se aberto com missas seguidas, pela manhã, e sucessivas comunhões.
(Imagem prestes a ser coroada, na Praia)
Por toda a vila se movimentaram os forasteiros, o que deu vida ao comércio. E a crítica aos comerciantes não deixou de ser feita pelo Diário Insular. Na perspetiva do cronista, toda esta jornada era uma manifestação de fé, de completo despojo e renúncia aos bens materiais, exaltando a espiritualidade que o mesmo entendia dever reinar entre os participantes. Por isso verberava contra o comércio, que não teve mãos a medir, “com vendilhões, propagandistas e tudo o mais! Mas estouvados há sempre, e por toda a parte, e os que lá foram por “turismo”, apesar de tudo, ninguém os maltratou”.
As cerimónias começaram com a receção às autoridades religiosas na Câmara, bem como às autoridades civis e militares. Na altura era comandante da BA4 o coronel tirocinado Craveiro Lopes que, uns anos depois, viria ser Presidente da República. Na Igreja Matriz, decorreu o solene Pontifical cantado no altar-mor, repleto de flores brancas, e a atuação da Capela do Seminário de Angra, dirigida pelo padre José de Ávila.
(Procissão pela Rua de Jesus)
Seguiu-se o cortejo pelas ruas da vila, aberto pelos seminaristas. O andor era levado pelos Irmãos da Ordem Terceira de S. Francisco, com guarda de honra dos Escuteiros e forças militares da BA4. A procissão seguiu pelas Ruas Mestre de Campo, Cruzeiro e Conde de Vila-Flor em direção à Praça Francisco de Ornelas, onde estacionou. A imagem da Senhora foi colocada num estrado para que o bispo da diocese, D. Guilherme Augusto, colocasse na cabeça uma valiosa coroa de ouro e pedras preciosas. A coroa foi avaliada em 50 mil escudos. Ao mesmo tempo ouviram-se cânticos, foguetes, palmas e os sinos a repicarem. Um coro entoou o hino da Virgem de Fátima: Avé! Avé! Avé! Mãe celestial!
O cortejo foi reorganizado e seguiu pela Rua de Jesus, Largo da Luz, Ruas de São Salvador e Mestre de Campo, onde entrou no adro da Matriz. No adro, o presidente da Câmara, dr. António dos Santos Cabral, fez a consagração da Praia à “Senhora de Portugal e Imaculada Rainha dos Açores”.
Após a consagração, a imagem recolheu à igreja seguindo-se um Te-Deum, no fim do qual foi dada a bênção pelo bispo. Segundo a imprensa, esta terá sido uma das maiores manifestações religiosas, na Praia da Vitória.
A fé na Virgem levou a que os peregrinos enfrascassem a água que havia servido para benzer a imagem e a levassem para casa, como se fosse um eficaz remédio para tratar os doentes. O mesmo aconteceu com as flores do andor e as pétalas das rosas eram disputadas para com elas fazerem chá para os doentes.
CARLOS ENES