(Tourada do Lusitania 1928)
PENTEANDO A MEMÓRIA 43
CARLOS ENES
LUSITÂNIA SPORT CLUB
Decorria o ano de 1922, quando o jornal A União convocava, a 31 de maio, os membros de todos os grupos existentes em Angra para uma reunião na Recreio dos Artistas. Nesse encontro ficou traçado o destino do Angra Sport Club e do Recreio dos Artistas Sport Club que se fundiram numa só equipa, a que foi dada o nome de Lusitânia Sport Club. A nova equipa foi ainda reforçada com a junção de oito jogadores do União Sportiva dos Empregados do Comércio.
A proposta para o referido nome partiu de Barradas de Noronha, com a justificação de que nesse ano os aviadores Gago Coutinho e Sacadura Cabral haviam atravessado o Atlântico Sul num avião denominado Lusitânia. Dado que na fuselagem estava pintada a Cruz de Cristo, esta passou também a figurar no emblema do novo clube, a que se juntou o verde da esperança.
O elevado número de jogadores que a nova equipa possuía, levou a que se organizassem dois teams da primeira categoria, que se denominavam “Victória” e “Esperança”. Como existiam poucas equipas na cidade, com alguma qualidade, estas acabavam por treinar entre si no improvisado campo do Relvão, dado que só em 1924 foi inaugurado o campo da cidade. Ocasionalmente, quando jogavam com equipas de fora da ilha, escolhiam-se os melhores das duas. Mas ao longo dos primeiros anos, a imprensa noticia a remodelação anual das equipas dos vários níveis que o Lusitânia possuía, antes de cada época desportiva. Nessas reuniões formavam-se as “novas linhas”, como se dizia, e nomeavam-se os capitães.
Ainda no ano de 1922, foi convocada uma reunião para se discutirem e aprovarem os estatutos, que foram remodelados posteriormente.
O futebol era a modalidade mais popular com equipas de primeiras, segundas e também equipa de infantis (1923), designada por Cruz de Cristo, mas desde o início o clube promoveu outros desportos e diversões.
Na primeira década de existência, conhecem-se atividades ligadas ao remo (com a compra de uma canoa), a montagem de um ginásio, o apoiou a provas de natação, ginástica em barras e argolas, jogos de “Croquet” e aulas de dança. A estas atividades físicas juntavam-se outras de feição cultural: aula de francês, noturna, em que participavam várias senhoras, saraus literário-dançantes, conferências sobre educação física e desporto, teatro, com a criação de um grupo amador próprio, abertura de uma biblioteca, organização regular de uma tourada de praça para angariar fundos e projeção de filmes, após a compra de uma máquina para esse fim.
A esta diversidade de atividades ainda se juntavam as quermesses e festivais carnavalescos, onde chegaram a jogar uma equipa feminina com uma masculina, em 1929. Uma ousadia, para a época.
A vida associativa era intensa e, por isso, a necessidade de encontrar uma sede adequada. A primeira sede funcionou durante pouco tempo na Rua de Jesus, para passar depois para o espaçoso convento da Graça (onde está a escola Infante D. Henrique) que pertencia à Recreio os Artistas e lhe alugou uma parte. Em 1927 já estava na Rua do Salinas, para dois anos depois se instalar ao lado da atual Recreio dos Artistas, no edifício onde funcionou a casa de bordados “Europa”.
Os jogos de futebol realizavam-se entre as duas equipas do Lusitânia, os Empregados do Comércio, a que se juntaram depois (1926) o Clube Boa Viagem e o Clube Desportivo Angrense. Em 1929, o aparecimento do Sport Clube Angrense veio dar mais animação, ao vencer logo no primeiro jogo o Lusitânia por 4-3.
A organização dos jogos e de outras atividades desportivas estava a cargo da Liga de Educação Física, fundada em 1921, antecessora da Associação de Futebol (1931). Deste modo começaram as competições oficiais a nível de ilha e depois a nível do arquipélago, com a criação das associações de Ponta Delgada e Horta.
Nos primeiros anos, o Lusitânia apresentou-se sempre como a equipa mais forte no espaço terceirense. Para além das equipas de Angra, ainda na década de 20, assistimos ao aparecimento de algumas equipas nos meios rurais, como na Vila Nova, Serreta, mas também na Praia, onde o Lusitânia se deslocava.
A nível da região, o confronto já era mais renhido com as equipas micaelenses ou faialenses. Mas o primeiro campeonato açoriano foi ganho pelo Lusitânia frente a uma equipa de São Miguel.
As excursões entre ilhas, promovendo a confraternização açoriana, incluíam equipas de futebol. Mas estes encontros despertavam paixões e o público nem sempre se portava da melhor forma. O mesmo acontecia na Terceira. Nos jornais, bastas vezes os cronistas se insurgiam contra o público que entrava em escaramuças e chegava invadir o campo. As decisões dos árbitros, tal como no presente, inflamavam por vezes o mais pacato dos cidadãos.
Passaram 90 anos, desde a fundação do Lusitânia Sport Club, com momentos difíceis, mas também momentos de grande glória. Espero que nas comemorações do centenário a nobre casa de D. Violante do Canto volte a resplandecer e o verde da esperança ilumine a fachada e a alma dos lusitanistas.
Como dizia o sr. Almeida: “Essa bola prá baliza!!!”
Desistir é que nunca.