PENTEANDO A MEMÓRIA
CARLOS ENES
A “ENTRADA GERAL”
No ano de 1949, o presidente dos Estados Unidos da Améria decidiu criar, no mês de maio, um dia dedicado às Forças Armadas Americanas, para homenagear os militares encarregados de preservar as tradições militares nos EUA. Na sequência dessa decisão, criou-se a prática de abrir as portas de todas as unidades americanas ao público no país e no estrangeiro. O objetivo era não só o de facilitar a aproximação entre os militares, mas também dar a conhecer de perto os ”esforços realizados para deter a agressão e manter a paz mundial”, citando as palavras do comandante da Base, General Harold Smith, em 1956.
Foi na sequência desta iniciativa que a partir de 1950 se promoveu a chamada “Entrada Geral”, ou seja, a abertura das portas da Base das Lajes à população da ilha, para assistir a um programa de festas que pouco variou ao longo dos anos.
Os discursos oficiais, quer das autoridades portuguesas, quer americanas, procuraram sempre valorizar a amizade entre os dois povos, o importante contributo para a defesa do Mundo Ocidental e o espírito de cooperação existente entre ambos. Nessa perspetiva até designavam esse dia como o dia das Forças Armadas Luso-Americanas, fazendo com que desfilassem em conjunto a Força Aérea Portuguesa, mas também elementos do Exército do B.I.I.17, em conjunto com os militares americanos. Chegaram a estar em parada cerca de 550 homens.
A parada representava o momento mais solene de todas as cerimónias, onde se desfraldavam bandeiras, se tocava o hino dos dois países, se pronunciavam discursos e condecoravam personalidades portuguesas, aproveitando algum feito que merecesse louvor. Na imprensa local, houve sempre a preocupação de realçar a nossa soberania, frisando que as forças americanas se encontravam estacionadas na ilha por concessão do governo português. Nestas cerimónias estavam sempre presentes as mais variadas autoridades, civis, religiosas e militares, a quem era servido um cocktail da parte da tarde e à noite um baile de gala que encerrava as festividades.
Das restantes atividades, a exposição de aeronaves era a que atraía a maior atenção do público, cuja afluência podia atingir os milhares, dependendo do estado do tempo. Ao longo dos anos, os terceirenses puderam apreciar a tecnologia de ponta na aviação militar, entrando nas respetivas aeronaves, de diversos tipos e funções. O voo em formação sobre o aeródromo e o lançamento de paraquedas culminavam o momento mágico de ver nos céus as máquinas voadoras em mirabolantes acrobacias.
Outras curiosidades foram surgindo pontualmente, como por exemplo um salva-vidas, com capacidade para 14 homens, lançado de um avião, sustentado por 3 paraquedas; uma miniatura de uma locomotiva para transportar crianças; um impedidor de formação de gelo ou uma varredeira-apanhadeira de entulho, com um poder equivalente ao de 1.200 vassouras vulgares.
Outro número usado com regularidade era a simulação de um incêndio de forma a proporcionar a atividade da secção de bombeiros.
Em alguns anos, foi possível presenciar a Banda da Força Aérea Americana estacionada na Europa, composta por 48 elementos, com um repertório de elevada qualidade. Mas a música passou a fazer parte da programação através de outras bandas de menor gabarito.
Nos anos ´60, a festa também tinha lugar na baía da Praia da Vitória com entrada nas instalações americanas ali implantadas, passeios de barco e concertos musicais.
Nos hangares decorriam exposições sobre os mais variados temas: meteorologia, assistência religiosa e hospitalar, cinema, busca e salvamento, serviços portuários, escuteiros, segurança de voo, rádio e televisão, comunicações e Cruz Vermelha.
Algumas vezes acontecia também neste dia uma cerimónia de solidariedade para com os terceirenses. Assim aconteceu, por exemplo, no ano de 1962, em que foi entregue ao Hospital da Praia da Vitória um aparelho de Raio X, como contributo das Forças Armadas Americanas para o cortejo de oferendas da Santa Casa da Misericórdia.
Ao longo do dia, os visitantes podiam saborear as comidas e as bebidas que faziam parte da sua imaginação; hotdogs, hamburguers, pernas de galinha, pizza, coca-cola, canada dry, pastilhas elásticas, gelados, etc. Iguarias triviais para os que frequentavam aquele espaço fechado da Base, mas muito apetecidas pela restante população da ilha.
Nos dias de hoje, com a sociedade de consumo, toda a população tem acesso em qualquer estabelecimento a todos esses bens que se vulgarizaram. Mas até à década de 70, o dia da “Entrada Geral” era uma festa que ficou gravada na memória de jovens e graúdos pela novidade que representava. A América estava ali tão perto, com a sua tecnologia avançada, com o seu poderio militar, com a sua abundância que, numa sociedade pobre como a da Terceira, fazia crescer o anseio de um dia poder franquear as portas do Novo Mundo. As questões políticas ou militaristas eram secundárias ou questionadas por muito poucos. Os americanos eram vistos como os defensores da Liberdade, os únicos que se podiam opor ao avanço do comunismo e nunca como um exército que subjugava outros povos.
Para quem não emigrava, trabalhar na Base era uma forma de fugir ao trabalho no campo, de progredir na vida. O bem-estar dos terceirenses estava e continua a estar intimamente ligado à presença americana que ainda emprega boas centenas de trabalhadores.