PESCA DA TAINHA
Chegou maio e o povo da praia se alvoroça. Redes são remendadas, estivas são renovadas, canoas bordadas pintadas. O frio chega com o vento sul, o rebojo, o pampeiro. O céu é lindo e azul, mas as ondas cada vez mais se encrespam e as vagas do mar ficam mais cavadas. É época da pesca da tainha. Antigamente, quando as redes eram de barbante se ia ao mato para tirar cascas de árvores, como a capiroróca, para ferver e dar tinta às redes.
Em todo nosso litoral canoas são postadas nas praias a espera das mantas, dos cardumes. Elas foram feitas há muitos anos de garapuvu, figueira, araucária, cedro e até de pinduva. A melhor é de garapuvu que é mais leve. Medem de 8 a 12 metros de comprimento por 1,5 a 3 metros de largura, todas feitas de um pau só. Os melhores remos eram feitos de pindaúva, cortadas na lua crescente. São leves e fortes.
É a pesca mais antiga que se tem notícia. Feita por pescadores e agricultores que, nesta época do ano, largavam as roças e se juntavam aos pescadores para puxarem as redes, para remar nas canoas, para serem vigias das tainhas. A farinhada era feita à noite, única atividade dos agricultores do litoral nesta época do ano.
Muitos pescadores não ficavam aqui, é verdade. Rumavam para o Rio Grande do Sul e pescavam nas “parelhas” de lá, mas todos envolvidos na pesca da tainha. Iam de caminhão e levavam dias para chegar lá.
Mesmo nas praias que durante o ano inteiro não existe atividade pesqueira, nesta época os ranchos são abertos para receber os pescadores que vem de longe e ali se instalarem. Exemplos são as praias do Campeche, Naufragados, Gravatá, Moçambique, Brava. Só para citar algumas aqui da ilha, porque em todo o litoral catarinense é a mesma coisa.
A lista dos pescadores é revista todos os anos. Tira-se os mortos e os que se mudaram do lugar, também os que vão pescar em alto mar e acrescenta-se os novos nomes dos camaradas. Muitos profissionais de outras áreas tiram férias nesta época especialmente para pescar tainhas. Já os camaradas mais velhos, doentes e inválidos não se tira da lista. Seus quinhões são levados em casa.
É a pesca mais comunitária, mais envolvente e mais solidária. Ninguém fica sem ganhar tainha. Até o ajudante, aquele que não está na lista, também ganha. Crianças, mulheres e principalmente as viúvas não são esquecidas. É o mês da fartura, todo mundo come, toda a comunidade cheira a peixe. Dizem que a fumaça da tainha assada vai longe, atiçando a comunidade vizinha. Em dias de vento sul forte a fumaça da tainha assada na Pinheira chega à praia dos Naufragados e até ao Pântano do Sul. Dizem também que na Barra da Lagoa, quando dá um vento nordeste forte, sente-se o cheiro do caldo da tainha temperado com alfavaca vindo das bandas dos Ingleses.
É um espetáculo participar de um lanço de tainhas, coisa linda de se ver. Uma correria, um alvoroço. Parece que todos mandam e todos obedecem. Parece uma verdadeira anarquia, uma coisa sem comando. Mas não é bem assim, no final tudo se afunila ordenadamente e o barulho se acaba. Terminado o lanço, pescadores carregam seus peixes nas mãos, silenciosamente em procissão, em direção ao rancho ou às suas casas. Agora é “governar” o peixe para o almoço ou jantar.
É bom também lembrar das peças fundamentais na pesca da tainha. O vigia é que dá o sinal para fazer o lanço quando avista o cardume, por isso ganha um quinhão diferenciado pela vista da manta. Na canoa geralmente embarcam seis pessoas. O patrão é que comanda a embarcação e joga n’água a parte da rede que contém o calão da cortiça. Também embarcam um remeiro da proa, dois remeiros do encontro e um remeiro da ré. Também o chumbereiro, aquele que joga o calão do chumbo na água. Todos eles ganham quinhões diferenciados, conforme a praia. As maiores tainhas são reservadas para eles, por isso que se diz “tainha de remeiro”. Também existe a “tainha da vista”, a do vigia e a “tainha do cabo”, de quem segura a ponta da rede primeiro. As pessoas que puxam as redes são chamadas de “camaradas” e ganham seus quinhões proporcionalmente ao lanço.
Hoje para os pescadores manterem viva esta tradicional pescaria muitas brigas tem acontecido, desde os barcos de outras modalidades que não respeitam o limite da pesca, os atuneiros que teimam em invadir o espaço da pesca artesanal e também a teimosia de muitos surfistas que, sem consciência da importância da pesca para o povo de um lugar, se lançam ao mar atrapalhando e afugentando os cardumes, causando revolta aos pescadores e na comunidade em geral.
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O Autor Aontônio Arante Monteiro Filho,o Arantinho, é historiador,comerciante,pescador da comunidade de Pântano do Sul,Ilha de Santa Catarina.
Imagem: Na Vigia do cardume da Tainha.P.do Sul,maio 2011. Acervo Lélia Nunes: Arrastão, acervo Arante Monteiro