Pico, ilha telúrica
O Pico é uma maravilha de lava e mistério!
Ilha vulcânica de pedras negras, por entre as quais brota o delicioso verdelho que chegou à Rússia dos Czares, à mesa do Vaticano e ao convívio das mais abastadas casas reais do século XIX. Tal vinho teve honras na literatura universal, já que foi celebrado por Tolstoi nessa obra-prima que é Guerra e Paz.
Ainda hoje podem ser vistos os sulcos, na pedra vulcânica, deixados pelas pipas embarcadas no porto da Formozinha – com destino à América, à Europa e ao Brasil. Nesse tempo o vinho saía do Pico para o Mundo. Atualmente a zona da cultura da vinha desta ilha é classificada como Património Mundial da UNESCO (desde 2004).
Pico rima com pedra. São quilómetros e quilómetros quadrados de pedras que aqui foram levantadas do chão para libertar a terra de tanta penedia, e com elas erguer estes “currais” que são os puzzles da ilha. Dizem que se fossem retiradas dos muros, uma a uma, e alinhadas em carreirinho pelo chão fora, essas pedras atravessariam ilhas, continentes e oceanos, dando uma vez e meia a volta ao mundo…
Ali para os lados de Valverde, é a epopeia dos maroiços – colinas de pedras apanhadas do chão, depois postas, com engenho, nessas estranhas construções de pirâmide, hoje objeto de vários e desvairados estudos… Recordo aqui a frase lapidar do saudoso António Duarte: “Os maroiços são a epopeia de pedra do homem do Pico”.
Atesta-o o património genético dos picoenses. Estes são tendencialmente altos e corpulentos, destemidos e vigorosos. Porque, à força dos braços, ousaram dominar a Natureza. De todos os açorianos, foi o picaroto que levantou a enxada mais alto e a cravou mais fundo, rebentando a crosta queimada para poder cultivar a vinha. E ninguém mais do que o picaroto trabalhou, na dureza e na adversidade, a terra e o mar.
Erguendo-se do mar em beleza petrificada, a soberba montanha do Pico apodera-se dos nossos sentidos. Nós contemplamo-la e ela contempla-nos do alto dos seus 2.351 metros de altitude, sendo o 3º maior vulcão do Oceano Atlântico e constituindo o ponto mais alto de Portugal. Reserva Natural desde 1982, nos flancos da montanha ocorreram inúmeras erupções predominantemente efusivas. Ténues fumos brancos, visíveis no “piquinho”, atestam que o vulcão não cessou ainda completamente a sua atividade.
Considerada uma das sete maravilhas naturais de Portugal, esta montanha, mágica e colossal, é nosso espetáculo de todo o ano e nosso barómetro de todos os dias. Ela nunca apresenta duas vezes o mesmo aspeto, pois que a luz que a enforma está sempre em constante mutação: ora está nítida, ora se cobre de nevoeiro; agora está violeta, logo está da cor do fogo, para depois se cobrir de negro, cinzento e gradações de azul e rosa. De inverno amanhece em neve imaculadíssima. No verão desfalece em roxo, com a lua enorme a nascer por trás de nuvens surrealistas…
O Parque Natural da ilha do Pico é o maior parque natural dos Açores, compreendendo 22 áreas protegidas. A Gruta das Torres, no concelho da Madalena, é o maior tubo lávico de Portugal. Tudo nesta ilha é beleza e grandeza.
Em 1924, Raul Brandão, escritor e pintor impressionista, escrevia no seu livro As Ilhas Desconhecidas: “O Pico é a mais bela, a mais extraordinária ilha dos Açores – duma beleza que só a ela lhe pertence, duma cor admirável e com um estranho poder de atração. É mais que uma ilha – é uma estátua erguida até ao céu e moldada pelo fogo – é outro Adamastor como o do cabo das Tormentas”.
O Pico foi terra de baleeiros que arpoaram o pão, o sonho e a esperança. Durante mais de 100 anos, a caça à baleia, arriscadíssima, foi não só a expressão da necessidade de aventura própria do homem, mas sobretudo fonte indispensável de recursos. Como santuário da observação de cetáceos (whale watching), o Pico tem hoje no cachalote um símbolo (e um mito) desse passado épico e marítimo. Resultado: o Museu dos Baleeiros, nas Lajes, é hoje o mais visitado dos Açores.
Designada nos seus primórdios por ilha de São Dinis, hoje com três concelhos – Lajes, São Roque e Madalena (por esta ordem constituídos) – o Pico, a segunda maior ilha do arquipélago dos Açores, tem a pecuária, a agricultura, a vinha e a pesca como base da sua economia.
Com as ilhas do Faial e S. Jorge a servir-lhe de cenário, há quem diga ser o Pico a ilha do futuro. Fui às Lajes à casa do senhor Ermelindo Ávila saber se era assim. O comendador, do alto dos seus 97 anos de idade e de sabedoria, deixou-me este aviso: “O Pico precisa de ser repovoado com juventude”.
Ilha-montanha das adegas, das vinhas, dos alambiques, dos dragoeiros, dos salgueiros e dos lugares de veraneio. Ilha ancestral, poética, profunda e selvagem, o Pico é uma força telúrica!
Victor Rui Dores