POEMA ENCONTRADO POR AÍ
Sento-me em Lisboa, nasce-me a dor
precisamente ao centro: sinto o eixo
rasgar-se em mim. E depois meu amor
desisto e pronto: há como que um desleixo
nisto de estar vivo – sentado à vida
e nada já aqui me pertencer.
Revejo-a ao longe atenta e comovida
conheço a casa, a rua, a mesa e o ser.
E o ser é uma longa desistência,
amor, o saber só nosso e secreto
de que para isto não há ciência
nem cura. Como um desejo concreto
de partir e não saber para onde,
assim a vontade é um abandono:
um não-estar aqui que em mim se esconde,
uma passagem entre a vigília e o sono.
Como hei-de chorar por ti se afinal
nada de mais belo há do que o modo
altivo de um rosto que além do mal
do amor e seus trabalhos acomodo
dentro de mim? Meu Deus como eu te amo
no pranto e na alegria! O pensamento
dói-se do que sente, o meu desengano
pensa a dor, o coração o sentimento.
Não me basta o elogio da amada.
Ela virá e eu todo em mim a cantarei.
Canto a menina, digo, a mulher sentada
no leito e aberta à flor que nela amei.
Senhora, ir do canto à eternidade
é o que mais desespera o trovador;
Para morrer por si não tenho idade,
mas como viver sem o seu amor?
João de Melo, Escritor açoriano. Natural da Achadinha,Nordeste. Ilha de São Miguel. Romancista,contista,cronista,poeta. Escritor completo.Autor de obras de ficção, antologias,poesias,ensaios. Publicou livros de viagem e de crônicas. Está traduzido em diferentes países europeus e na América – recentemente lançou a edição americana de " O Meu Mundo não é deste Reino" – "My World is not of this Kingdom".
Admirável.