POESIA AÇORIANA… nas ruas de Ponta Delgada
(por Nisa Remígio e Richard Simas)
O que faz com que um arquipélago de nove ilhas, pouco povoado, como os Açores, possua uma herança poética tão rica e duradoura? Será que o isolamento geográfico pelo Oceano Atlântico e uma história única são suficientes para explicar o poderoso impulso poético que continua a manifestar-se dentro e fora das ilhas, em lugares tão distantes como a região de Santa Catarina no sul do Brasil, ou ainda no Canadá e nos Estados Unidos, onde imigrantes açorianos e gerações de seus descendentes vivem e escrevem? Estas e outras questões estiveram na génese de Poesia Açoriana na Rua, um projecto convidado a participar na recente edição do WALK&TALK Azores – Festival de Arte Pública em Ponta Delgada, na ilha de São Miguel. O objectivo do programa foi de celebrar esta extensa e diversa tradição poética, com várias actividades multidisciplinares em contextos populares e públicos.
O programa foi concebido e coordenado por Nisa Remígio e Richard Simas, dois Açor-descendentes que vivem em Montreal, Canadá, e que organizam também o Café Lusófono, uma plataforma pública para a promoção da cultura lusófona. Mais de 200 poemas de 85 escritores foram seleccionados a partir de numerosas publicações açorianas, norte-americanas e brasileiras: desde o clássico Antero de Quental (1842-1891) passando por Vitorino Nemésio (1901-1978) até ao Leonardo Sousa, um jovem de 20 anos de idade, residente em Ponta Delgada. O projecto proponha-se ser abrangente, numa tentativa de apresentar uma ampla variedade de trabalhos acessíveis a todos os públicos. Enquanto a maioria das selecções foram em Português, alguns textos em Inglês por escritores norte-americanos com origens açorianas, como Frank X. Gaspar, foram igualmente incluídos. O Coletivo de Ponta Delgado, um grupo de escritores locais, colaborou com trabalhos próprios.
WALK&TALK Azores é um festival de arte pública na sua quarta edição. Durante duas semanas, muralistas, escultores, designers, performers e outros artistas contemporâneos nacionais e internacionais são convidados a criar novos projectos de arte. Residências artísticas, debates, uma festa de rua e oficinas de artesanato completaram o programa deste ano. Instalações e murais brotaram um pouco por toda a parte em Ponta Delgada e noutros locais da Ilha de São Miguel. A temática escolhida para o festival 2014 foi a reinterpretação contemporânea de vários ícones da cultura popular açoriana, tais como os retiros das festas com os seus quiosques em criptoméria e as cafuas de milho. Para fotos e comentários sobre o festival ver: www.walktalkazores.org e www.facebook.com/walktalkazores
Poesia Açoriana na Rua propôs durante dois dias um laboratório de poesia-música, aberto ao público em geral, onde se exploraram técnicas de apresentação de textos poéticos em contextos de performance. O trabalho concluiu com uma actuação multidisciplinar em estúdio resultante da colaboração de poetas locais, que incluiu textos originais e improvisados, acompanhados de música, bailarinos e pintura mural ao vivo por um artista cabo-verdiano.
O projecto saiu à rua durante as duas semanas para criar um curto documentário vídeo-poema (Poema RETRATO), onde os moradores de Ponta Delgada foram filmados a lerem um poema da selecção de poesias açorianas previamente escolhidas, em diferentes locais urbanos de trabalho e lazer: lojas, mercado público, quiosque de flores, salão de beleza, bancada na rua, esplanada à beira-mar… Idealizado e coordenado pelos directores do projecto Nisa Remígio e Richard Simas, Poema RETRATO recebeu a colaboração da equipa do WALK&TALK Azores, que ofereceu precioso apoio durante as filmagens e a montagem. A estreia do filme de 8 minutos estava prevista ser nas Portas do Mar, com uma projecção contra a vela do Catamarã Miss Poes do Sr. Silvestre. Infelizmente, o mau tempo tornou o evento ao ar livre impossível, e em vez disso, o filme foi visto na Galeria W&T. O vídeo Poema RETRATO estará em breve disponível para visualização em https://www.facebook.com/cafelusofono
Outras intervenções incluíram a participação em leituras feitas na Travessa dos Artistas e colagens diárias na parede e janelas da Galeria W&T onde todos os poemas açorianos do repertório foram acumulando ao longo das duas semanas. Na Matriz, uma praça pública de Ponta Delgada, poemas foram suspensos em fios de roupa presos a postes de luz, com um aviso convidando os transeuntes a “Por favor, leve um poema.” A brisa que soprava do cais agitava as folhas de papel como velas de um barco, enquanto transeuntes de todas as idades e origens paravam para ler as ofertas poéticas. Ao meio da tarde, os fios estavam vazios e a colecção de poemas açorianos anonimamente distribuídos entre os moradores da cidade, um final feliz ao evento de fecho da nossa participação no festival.
Em qualquer lugar do mundo, a qualquer momento, a poesia tem o seu lugar no dia-a-dia: em ambientes urbanos, nas paredes, janelas, cafés e autocarros da cidade; nos sussurros do leitor espontâneo no meio da rua, ou intimamente em livros, e em folhas de papel branco batendo ao vento. A rica herança de poesia açoriana apela, através do Atlântico e muito além, a qualquer pessoa atenta à sua música, bem como ao que menos espera. Ouça e celebre.
Poesia Açoriana na Rua é um projecto de Nisa Remígio e Richard Simas / Café Lusófono, Montreal, Canadá, criado em 2014, no WALK&TALK Azores, Festival de Arte Pública. Um apoio generoso foi fornecido pelo Conselho das Artes e Letras do Quebeque, o Governo dos Açores-Direcção Regional das comunidades, e a Caixa Portuguesa Desjardins.