Documento visual expresso com a força da técnica, da criação e do senso cromático explorado em todas suas nuanças, representando o repertório dos movimentos cênicos do Boi tendo por cenário os recantos da Ilha.
A “Poética do Boi na Ilha de Santa Catarina” de autoria do pintor-poeta Semy Braga, conjunto de dezenove telas, faz uma leitura multifacetada da figura do Boi numa diversidade de representações, rituais e simbologias tauromáquicas cuja geografia se desenha no litoral catarinense de tradições alicerçadas no substrato açoriano sobrevivente. Na plenitude do olhar debruça-se sobre a efervescência criativa e estética personificando o Boitatá, o Boi de Engenho, o Boi da Farra do boi e o Boi de mamão no universo da Ilha-Catarina, como se todos cumprissem um fadário em cenários armados por mãos açorianas, seculares, na argamassa do casario, na atafona, na roda do engenho, nas madrugadas acesas no sábado de Aleluia, nos cruzeiros e igrejas, no canto das sereias, no feitiço das bruxas.
A composição artística e poética do Boi de Semy Braga firma-se tanto na historicidade quanto no imaginário ilhéu. São imagens de significados fortes e simbólicos para a cultura local. Imagens de sonhos. Imagens guardadas na memória dos afetos do pintor. Imagens partilhadas por toda gente.
O Boitatá, entidade mítica, entronizada no folclore brasileiro sobre forma de serpente com olhos que cospem fogo personifica no fantástico imaginário ilhéu a figura alada de um boi, criatura noturna, sedutora que sobrevoa a Ilha, chispando fogo pelas narinas como um misto de boi-dragão com chifres de touro. Nas lendas da Ilha, sussurradas nas noites de Lua Cheia, o Boitatá é descrito como figura com cabeça de touro que protege a Ilha e mantêm encontros eróticos com as bruxas, verdadeiras orgias bruxólicas no alto do Morro das Pedras, no Sul da Ilha. Se etimologicamente Boitatá tem sua origem no tupi-guarani – mba`é +tatá – significando “coisa de fogo” entre nós sofre mudanças tanto na forma quanto no sentido sob a influência da palavra homonímica da língua portuguesa: “boi”.
Na linguagem pictórica de Semy Braga a fantasia do boitatá sacramenta rituais simbólicos com alegorias, cores, sons, coreografias e aproxima, numa mesma cinética, o homem da natureza, o homem do animal.
Em todo o conjunto, o uso de cores fortes e vibrantes responde por uma volumetria que harmoniza outras figuras do Boi com a simplicidade da paisagem insular e do cotidiano de sua gente como o Boi de Engenho. Boi que é força motriz, na cangalha, olhos vendados, tristes, preso pela almanjarra, girando silencioso no andame, sob a bolandeira, na produção da farinha de mandioca ou, ainda, puxando a moenda, triturando a cana de açúcar.
Boi que alimenta o homem que o aprisiona.
(Continua…)