(Domenico di Bartolo, 1433)
[João Ilhéu, “Carta da América”. Helena Oliveira, “Maria à beira do rio”] Açorianidade – 131
PorqueHojeEhSabado
2012.12.22
CARTA DA AMÉRICA
Minha Mãe!
Que terra esta
Onde por desgraça vim,
Que nem no dia de Festa
Alguém se lembra de mim!
Em nossa casa este dia,
Com meu irmão pequenino,
Que festa, mãe! que alegria
Ao pé do altar do Menino!
Berço feito de palhinhas,
Ao redor luzes acesas,
E o Jesus de alvas roupinhas
Como em contos de princesas…
Os reis Magos a cavalo
Fazendo mil piruetas…
Par’ciam o ti’Gonçalo
Quando vinha das malhetas!
Ó mãe, lembras-te? Eu cá
Tenho-o tanto na lembrança!
Quando um dia volte lá
Hei-de ir vê-lo, e a ‘Sprança
Que dava sete canadas
E teve prémio no bodo.
Ó mãe, e as esfolhadas?
Pão à farta, vinho a rodo,
Violas, festa, cantigas…
Ai que saudades que tenho
De todas as raparigas!
A Chica… a Rita Cedenho
Que andava a lidar nas bodas…
Ó Mãe, não era verdade
Que valiam mais que todas
As meninas da cidade?
Domingo à hora da missa
Passavam mesmo aos punhados!
Até metiam cobiça…
Deus me perdoe de pecados!
E aquela que minha mãe
Gostava p’ra sua nora?
Foi p’ra cidade? Fez bem…
Deve estar uma senhora…
E talvez seja feliz!
Quem sabe lá do Destino?
Eu embarquei porque quis
E não porque em menino
Tivesse má sorte – oh! não!
Meu pai era um santo, era,
E minha mãe… tu então…
Antes eu nunca o soubera!
Para quê, se em verdade
Eu te quis deixar sozinha
P’ra vir morrer de saudades
Nesta terra tão daninha!
Foi sorte! E tão de repente
Resolvi estas jornadas!
Ó minha mãe, sempre a gente
Dá na vida cabeçadas!
Agora ‘stás já velhinha,
Custa-te mais o trabalho,
E eu, curvado da espinha,
Mal ganho p’ra que o borralho
Não me inteirece de frio
Nesta noite de Natal.
A luz com que me alumio
P’ra escrever assim tão mal
Estas regras que vais ler,
Custa-me mais custava
Andar um dia a correr
P’la serra em cata da ‘Scrava.
Adeus, mãe, vou acabar,
Pra tristeza basta a minha,
E faz-te mal o chorar
Depois de já tão velhinha.
Adeus! Jesus pequenino
Te dê calma e te dê Fé.
Abraça-te o «teu menino»
Muito querido
José
João Ilhéu, Rústicos, Angra do Heroísmo, Tip. Angrense, 1931.
João Ilhéu – Frederico Augusto Lopes da Silva Jn. (1896-1979), militar, etnólogo, jornalista, dramaturgo, poeta, nasceu na cidade da Praia da Vitória, ilha Terceira, residiu e trabalhou em Angra do Heroísmo onde faleceu.