Hoje a cidade amanheceu cinzenta. É seu velho hábito vestir esse hábito de quase penumbra. Que incomoda. Que amolece o gosto pela vida.
Que nos tira a vontade de nos levantarmos.
Hoje, a cidade voltou a vestir os seus andrajos mais frequentes, como viúva pobre em
permanente aliviar luto. E não me apeteceu levantar. Na minha “Ilha de
Nunca Mais” não voltarei a erguer-me. O tempo… o tempo, para mim,
agora já “era uma vez”.
A notícia de que não me apeteceu levantar acinzentou de quase trevas
pedacinhos de mundo aqui e acolá. Escureceu a claridade na Ponta da
Galera. Arrefeceu o vento nordeste na Maia. Gelou corações em
Providence ou em Lisboa, em New Bedford ou em Toronto, na Califórnia
ou em Santa Catarina. Estranha sensação, esta, a de saber que eu, “uma
unidade de sentimentos/ sensações”, fazia parte dos sentimentos bons
de tantos amigos.
Se for possível farei o possível para estar com ela, mas a Linda
ouvirá sozinha a nossa música. Como eu amei esta Mulher! Como ela
conseguiu ser o braço que me levantou tantas vezes em manhãs em que
não me apeteceu levantar! Mas, hoje, não. Hoje tornou-se no nunca
mais. Talvez tentem aliviar este insidioso luto cinzento com um cheiro
a flores.
Hoje não me levantei. Não volto a levantar-me, já disse. Não me cansei
da vida, nem da família, nem dos amigos. Nem sequer me cansei de mim.
Mas tinha de haver este dia. O dia de nunca mais.
Até qualquer dia, companheiros.
Maia, 9 de Novembro de 2010
(Daniel de Sá)
Crédito Imagem:Lélia Nunes