João-Luís de Medeiros
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povo em saldo
à memória saudosa de
Manuel e Margarida
– esta dolorosa fala filial.
imigrante, povo em saldo,
lágrima breve, adiada,
ciosamente guardada
na muralha do futuro
partir (mas devagar)
a emigrar se vai ao longe…
imigrante-caminhante
preso ao fio duma aposta;
o peito é o mirante
onde se acoita a distância
na velha mala do sonho
a coragem
faz excesso de bagagem…
vamos! vamos! toca a andar
emigrar não é trair nem vergar:
– é partir para um novo-estar…
dor do parto da partida
casto luto da mudança
duma luta de cansar
piece-work, cheque forte
há mais gente a chegar
para os combates da sorte
imigrante-caminhante
corre! corre! corre! corre!
a saudade só morre
no peito de quem parar
de lutar até à morte
nas asas dum passaporte…
— *** — *** — Do livro “(Re)verso da Palavra” (Pág. 56)