Primavera, Primachuva
Não há estação do ano mais cantada em prosa, verso, samba ou marcha-rancho do que a Primavera. Há dias que reproduzem em poucas horas as quatro estações do ano: de manhã, frio. De tarde, calorão. À tardinha, chuva. À noite, volta o outono-inverno.
Até a oposição admite que a culpa não é do Bolsonaro, mas de uma dupla de “facínoras” do tempo chamados “La Niña” e "El Niño". Uma está chegando, trazendo secas, o outro ainda opera distribuindo chuvas.
Há estereótipos eternos associando a estação romântica a céu aberto, tempo firme, sol e o desabrochar das flores. Sabe-se que, na verdade, não é bem assim. A Primavera que esperamos, de pássaros pipilando e o eterno bom tempo, pertence mais à literatura e à música do que ao calendário gregoriano. Quando a primavera acontece no hemisfério norte, em abril, o céu é mesmo imaculado, como acontece com o nosso outono. Primavera com sol, a partir da próxima quarta-feira (23), é mais um desejo do que uma esperança. Nem por isso a estação deixa de ser bela, mesmo com chuva, mas com a floração dos garapuvus.
Antonio Vivaldi concebeu “As Quatro Estações” no outono de sua existência, aos 47 anos de uma vida que chegou aos 63. Quando compôs a magnífica série dos famosos quatro concertos – a Primavera, o Verão, o Outono e o Inverno, nesta ordem – em 1725, por algum milagre do tempo e da geografia, Vivaldi parece ter sido transportado para a Ilha de Santa Catarina: num único dia, as quatro estações se desatam em sinfonias e trovões.
Ao contrário da política, que mancha o cotidiano com os seus malfeitos, as manhãs do outono distribuem pureza e um céu sem mácula. Foi só a Primavera se delinear no calendário – e pronto: o sol se foi.
O clima está igual a política: parece que predominam as “fichas sujas”.
Aqui, as Quatro Estações se misturam e se alternam, ao sabor de divinos instrumentos de corda, magistralmente manipulados pelo poeta Cruz e Sousa. O sublime simbolista é o “patrono” de um vento prodigioso, o sul, que altera a feição das tardes e das manhãs, ora impõe a calmaria dos adágios, ora a vivacidade dos allegros… Como no seu verso de "Velho Vento":
– É …a gemente sentinela/ Que a tudo desgrenha e gela/ Com o torvo rumor de suas asas…
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Antonio Vivaldi era um compositor capaz de criar com muita rapidez, como se o seu talento jorrasse de uma cachoeira. A natureza era a sua orquestra e os ventos os seus primeiros violinos.