No sábado, à noite, são transladadas as imagens do Senhor Jesus dos Passos e de Nossa Senhora das Dores,sendo os andores carregados pelos homens e pelas mulheres das respectivas Irmandades. É uma procissão emocionante sob o brilho intenso das tochas e milhares de velas que iluminam todo o caminho. Uma poderosa manifestação da fé e devoção com comoventes testemunhos de fiéis pagando promessas ao Senhor dos Passos em caras serenas ou aflitas, um olhar compungido daquela gente a depositar todas as suas angustias ao pé da imagem de um Cristo flagelado e ao mesmo tempo com um olhar doce, paternal. Talvez ali esteja o último fio de esperança para a recuperação de um filho, da saúde, do emprego ou o encontro da paz de espírito.
O pernoite do Senhor dos Passos na Catedral caracteriza-se por uma longa noite de vigília e adoração. É um vaivém dos devotos para uma oração, um olhar de súplica, uma promessa devida. Muitas são as mensagens deixadas ao pé da imagem, que permanecerá encerrada, encoberta, até o dia seguinte.
A Procissão pra valer mesmo acontece no domingo à tarde. Parece que toda Ilha se movimenta para ver o Senhor dos Passos passar e uma verdadeira multidão deságua na Praça XV de Novembro à espera de Sua saída. A procissão parte da Catedral e segue pelas principais ruas do centro histórico de Florianópolis, com as casas e prédios públicos enfeitados com flores, toalhas de rendas, mantas penduradas nas janelas e balcões. Muitos arcos ornados com bandeiras e bandeirolas roxas decoram o espaço, reconstituindo os passos do Calvário, numa representação da Via Crucis. A presença maciça do povo em grande corso, dos membros da Irmanadade cobertos de balandraus, do Arcebispo, do Clero, das autoridades e das bandas musicais reflete a força da secular tradição. Não se admite a ausência de qualquer um dos nossos governantes e representantes da esfera estadual e municipal e até da federal. A não participação na procissão é uma desconsideração ao Senhor dos Passos e a própria cidade.
No cenário da tradicional procissão destaca-se a presença sempre tocante de pessoas da comunidade que pagam promessas – os promesseiros. São crianças e seus pais, jovens e idosos que de alguma forma manifestam o seu agradecimento ao Senhor dos Passos por graça alcançada. A maioria veste uma túnica roxa, levam um cruzeiro às costas e até uma coroa de espinhos. Assim, passo a passo, pagam a sua promessa ao Senhor dos Passos feita em momento de grande aflição.
De acordo com a tradição integram o cortejo personagens que representam José de Arimatéia, Nicodemus, São João, Maria Mãe, Maria Madalena, Simão Cirineu, três Beús e a Verônica que nas chamadas Estações da Via Crucis, canta abrindo a toalha com a imagem de Cristo impressa: Oh! Vós todos que passais pelo caminho, parai e vêde se há dor semelhante a Minha dor. Ao final, ouve-se apenas o som da matraca dando sinal de continuidade ao cortejo, ao mesmo tempo em que seu som de lamento se propaga junto como vento sul, ecoando pela tarde crepuscular, calando fundo dentro de cada coração.
O encontro das duas imagens Senhor dos Passos, o Filho e Nossa Senhora das Dores, a Mãe acontece em frente à Catedral com a multidão acotovelada por toda Praça XV, átrio e escadarias, atenta as palavras proferidas no comovente Sermão do Encontro. Dali as duas procissões se unificam e seguem em direção a Capela do Menino Deus, no Morro da Boa Vista, junto ao Imperial Hospital de Caridade onde ficará exposto para a veneração dos fiéis e onde permanecerá até o ano seguinte. Não sem antes, ao pé do morro, os carregadores do andor darem uma volta de 360° com a imagem, bem em frente à última casa antes da subida do morro, numa despedida aos fiéis e à Ilha.
Terminada a procissão, o povo desce a ladeira levando nas mãos um cartucho de cartolina enfeitado com papel de seda e crepom roxo, cheio de amendoim açucarado que foi distribuído pela Irmandade. Uma tradição que veio de longe e ninguém sabe o porquê.
Olhando aquele mar de gente em constante movimento, como as ondas do mar, num contínuo ir e vir entendo o que move aquela massa humana em torno de uma crença popular tão forte e de intensos significados que a faz una em toda Ilha de Santa Catarina. A procissão de Passos é a cara de Florianópolis. É ali que a nossa gente se encontra! Quando a Ilha se veste de roxo para celebrar o encontro do povo com suas raízes e sua história cultural.
Florianópolis,20 de março de 2010
Ilha de Santa Catarina
Créditos Imagens: Norton José; acervo Irmandade Senhor dos Passos e Lélia Nunes