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Este conteúdo fez parte do "Blogue Comunidades", que se encontra descontinuado. A publicação é da responsabilidade dos seus autores.
Imagem de Quando lemos quem amamos
     Vamberto Freitas
Comunidades 30 jul, 2017, 04:25

Quando lemos quem amamos Vamberto Freitas

E o dia acordava radioso; gotas suspensas, como rosário de contas, compunham um rendilhado incerto entre as folhas da madrugada. Adelaide Freitas, Sorriso Por Dentro Da Noite

                              Quando lemos quem amamos
                                        
    Vamberto Freitas

Não será nunca só a indizível saudade que me faz reler a mulher que amo, não será só querer recordar a sua viva voz nos dias que foram os nossos. Da sua silenciosa existência, agora sei eu, acompanha-a todos os dias, e nem sempre o choro me faz abraça-la e dizer-lhe boa noite, olho-a como quem olha para o luar no lado de fora da nossa janela, mas vendo a sua cara, a sua alma a flutuar perto e longe de mim. Fecho-me numa outra sala, e reabro os seus livros, fixo-me por longos instantes nas suas palavras, e todo um mundo renasce em mim. Sou agora a sua memória, mas a sua prosa e poesia continuam a ser uma parte indelével da minha vida. Não é pouco, é todo um universo a que pertenço, esse que foi nosso e só nosso, que me deixou sem nunca nada me pedir, que me dá e dará sempre sentido a eu ter sido alguém a quem foi permitido estar junto dela, a luz a colorir a nossa casa e a noite a calar fundo as palavras inúteis, fazendo do seu toque e olhar tudo o que significava vida vivida e o desejo de um outro amanhã.

Não, não se foi, nunca partiu, apenas adiou um nosso reencontro num infinito sem dor, o que numas das suas poesias chamou Viagem ao Centro do Mundo. Adormece agora sem mais se recordar desses momentos ou das palavras, ditas e escritas não para qualquer glória futura, só para que permanecesse o “instante suspenso”, como diria de si próprio um outro amigo nosso nas suas horas de inquietude e desejo. Já não chora nem sei se sonha, olha apenas o invisível, o Nada que é o seu mundo sem princípio nem fim, não sei se me conhece ou se me lembra alguma vez, do beijo que dou fico só com o sabor da sua cara e os seus olhos sem expressão. Está aí, e nela me vejo, sei e saberei sempre quem é. Sei que sou a sua memória. As palavras que me deixou escritas são o seu ser inteiro e intacto. Derrama em mim não só a mulher que é, entrega-me a única razão de estarmos aqui, entrega-me o mundo que só alguns tiveram e têm a felicidade de conhecer e de viver. É muito, quer seja o espaço todo na sua escuridão misteriosa ou na sua luminosidade celeste. Tudo o resto nada diz, nada significa, ninguém nos salva ou nos condena. A sua escrita não são meras palavras para mim. São todo o seu ser na beleza que de quando em quando vivemos num passado que se afasta cada vez mais. Esqueçamos o resto. Já não me conhece, como me parece algumas vezes? Conheço-a eu, e um beijo meigo, a minha voz entrando no seu quarto, ainda lhe faz sorrir e tentar olhar-me. Que mais poderia desejar um homem?

Quando lemos quem amamos
     Vamberto Freitas

Quando releio o seu Viagem ao Centro do Mundo, publicado em 1994, revisito com ela não só o seu mais profundo ser, o seu interior em estado de felicidade e saudade, como revejo todas as geografias dos seus grandes afectos, das suas saudades, das suas perdas, da sua infância, e sobretudo da mulher em busca de si própria. Não, não me entristece, faz-me caminhar a seu lado, faz-me admirar ainda mais uma vida feita de partidas e chegadas, relembra-me dos seus mais íntimos desejos, dos seus mais sentidos desgostos e amores. Ela e a natureza estiveram sempre em comunhão sagrada, cada pedaço da terra de Deus o seu porto seguro, cada memória dos seus em longínquas paragens americanas, mais do que uma presença, faziam-na reviver um tempo que havia sido, mas nunca por mim esquecido. Entrava nas suas aulas para transmitir não apenas o saber dos livros, mas também a sua pessoa como ser vivo e personagem. A literatura não eram só palavras, era vida, era história, era arte, era empatia por quem a ouvia e com ela aprendia. Entrou na política com a convicção de que o mundo também era de todos, e todos o deveriam reconstruir, um pobre não era um pobre, era um homem ou uma mulher em busca da dignidade e da vivência a que tinha direito. O poder era para ser combatido ou utilizado no bem comum, não admirado e muito menos bajulado. Tinha os seus maus momentos e raiva momentânea? Entrava numa igreja, só, e meditava.

Eu quero viver desesperadamente

Pôr emoções em movimento

Marcar rituais idos e por vir

Festejar o entusiasmo e a alegria.

Quero subir escadas, partir perna

Vogar no mar, livre e etérea.

Quero o palpitar do coração

No rosto uma flor em cada festa.

Quero cair, levantar, sair,

Ao estático nunca pertencer

Gargalhada quero em eco vibrante

Ressoar mundos dentro de mim.

Quero o choro em catadupa volante

Seguido de um sorriso de marfim

Quero o gesto do tacto desenhado

em doação e entrega sem fim.

Alguns anos depois viria a injusta sentença, mas antes de resumir toda a sua sorte de vida no quase profético e mais ou menos autobiográfico romance Sorriso Por Dentro Da Noite debruçava-se sobre toda uma vida açoriana e americana transfiguradas, outra metáfora da história do povo açoriano no seu destino de andarilho, e de rejeição à miséria, à injustiça, à prepotência medíocre de terra-tenentes e comunidades sujeitas às maiores indignidades e isolamento. Como em quase toda a literatura da nossa geração, eram só os navios vistos à distância em mares bravos e rumo à América que significavam e metaforizavam a nossa salvação. A sua autora muitos anos antes insistiria em regressar aos seus Açores, e aqui desafiar essa história e esse destino que agora prometiam uma outra maneira de viver a terra que é a nossa. Na sua outra poesia De Emigração Tecido havia de dizer da dor de uma “exilada” numa Nova Iorque que tudo prometia, mas a um preço, por vezes, quase desumano. Cada um de nós viveu e vive a sua própria sorte. Quando nos conhecemos, essa poesia mexeu comigo de modo muito especial, e ela não a publicava. Ser professora de literatura numa universidade portuguesa trazia certos constrangimentos (que hoje, parece, já não existem), era a inveja de uns e certa petulância de outros. Entretanto, haveria eu de a convencer a tirá-la da gaveta, numa carta enviada ainda Califórnia, e que agora está na sua contracapa.

“Li De Emigração Tecido – escrevi então – e felicito-me por uma poesia do tempo perdido e apreendido, esse inescapável tema da nossa existência e arte atlânticas, esse quebrar o isolamento físico e psíquico, para uma vez mais tão brilhantemente agarrar de novo a vida. Estarei muito fora da tua escrita poética quando aí vejo a dor como passo fundamental para uma renascença e contínua aventura que é a vida de cada um e de todos nós? Quando nessa tua linguagem límpida e não-sentimental negas o niilismo que a muitos está corroendo nos confusos dias (como diria o falecido James Baldwin) de indizível caos da colectividade? Vejo ainda nas tuas comovidas páginas De Emigração Tecido uma tremenda luta entre o indivíduo que insiste em sobreviver bem vivo e uma Natureza que, no meio desse mar, conspira perpetuamente para amordaçar o Homem, ora aterrorizando-o, ora oferecendo-lhe miragens da sua indescritível beleza. É um triunfo absoluto da Vida e da Beleza; uma ode linda à força humana, ao seu optimismo, determinação e vontade de viver”.

Por agora, não lhe queria dizer mais nada. Tenho aqui à minha frente todos os seus outros livros, e aberto, uma vez mais, O Sorriso Por Dentro Da Noite.

“Oh, vovó, Quem me dera, quem me dera – escreve Adelaide – ser pequenina, feita de nada; regressar aos tabiques da parede, esconder-me como quando era criança, voltar ao velho quintal, respirar o aroma de cada flor, sorver o rosa-lilás do pessegueiro, e saborear o araçá da cor do girassol, Eu quero é desaparecer daqui, vovó”.

Tenho, repito, todos os seus livros em minha frente, para além dos inúmeros escritos espalhados pelas mais diversas revistas universitárias e literárias. Está no seu descanso no quarto ao lado – e eu na minha turbulência de saudade, respeito, homenagem e gratidão.

__

Adelaide Freitas, Sorriso Por Dentro Da Noite, Braga, Editora Ausência, 2004. Publicado a minha coluna “BorderCrossings” do Açoriano Oriental, 24 de Março, 2017.
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