(Margarida – De Mario Cabral)
MENINO JESUS ENTRE OS DOUTORES
Mário T Cabral, 2013
38. QUARESMA 2013
d) ANDORADOS
Conheçamos as personagens que saem nos andores. Funcionam como espelho da Ordem, onde se aprende muito da natureza dela. Fora os protagonistas, são todos Terceiros.
Há mais santos nesta Ordem do que nas outras duas juntas. Os irmãos brincam, exclamando que é mais difícil viver fora do convento… há aqui uma certa mágoa, de quem se sente o mais pobre na família dos pobres…
António não sai nas procissões quaresmais, talvez por estar associado às festas de Verão, onde tem próprias por todo o lado. A Rainha Santa leva a sua coroa deposta no andor, num sinal deveras eloquente da hierarquia dos valores. S. Luís, rei de França, segue-lhe o exemplo.
É fácil de identificar Margarida, por causa do cão que lhe pega no manto. É a Madalena dos Terceiros. Dantes, as mães censuravam às filhas os cabelos desgrenhados: “Credo, pareces Santa Margarida de Cortona!”
Com a graça dos terceirenses, dizia, certa vez, um irmão, que a procissão não se faria, porque: “O veterinário não autorizou a cadelinha de Santa Margarida.”
A terceira mulher nas ruas é Santa Rosa de Viterbo, a jovem idealista com o ar alucinado dos videntes. Santo Ivo é o padroeiro dos advogados, ele que defendeu as causas dos pobres. Sai apenas nas Cinco Ribeiras.
Os Terceiros já não se penitenciam em público, como noutros séculos; mas as imagens mais velhas trazem a disciplina, que tem ciência no ser mostrada (a mão certa, o dedo justo, etc.). S. Luís exibe, a quem quer ver, o cilício… que já ninguém sabe o que seja.
Em muitas das imagens, S. Francisco apresenta um cíngulo com cinco nós, confusão deliciosa entre o cordão dos Terceiros (as cinco chagas) e o dos frades (votos). É preciso um andor muito comprido para quando ele vai de joelhos, à frente do Crucificado, que lhe inflige os estigmas… feitos com lã vermelha!
Em S. Miguel, havia uma em que ele ia nu, sobre as silvas, mas o povo escandalizava-se. E outra em que estava à frente do trono papal, a receber a Regra.
Nosso Senhor amarrado à coluna é “o Senhor dos Terceiros”, para o povo. É a imagem mais pesada, por não ser de roca, devido à nudez. Convém estudar o rosto do Senhor dos Passos: cada imagem procura ir mais longe na representação do Mistério.
A Senhora das Dores comove até as pedras do caminho.
Os Terceiros têm o lugar de honra nas procissões, por serem das ordens mais antigas da Santa Madre Igreja: a maior proximidade possível do Santo Lenho ou do Esquife da Sexta-feira Santa.
Muito clero não o sabe; nem os próprios, por serem gente simples.
Mário Cabral Natural da Terceira, Açores é professor no liceu de Angra. É Doutor em Filosofia Portuguesa Contemporânea, pela Universidade de Lisboa, com Via Sapientiae – Da Filosofia à Santidade, ensaio publicado pela Imprensa Nacional – Casa da Moeda (2008). Para além do ensaio, publica poesia e romance. O seu último livro de ficção (O Acidente, Porto: Campo das Letras) ganhou o prémio John dos Passos para o melhor romance publicado em Portugal em 2007. Está traduzido em inglês, castelhano e letão. Também é pintor.