MENINO JESUS ENTRE OS DOUTORES
Mário T Cabral, 2013
(O Terceiro, © MTCabral, 2013)
38. QUARESMA 2013
e) HÁBITO
Os Terceiros usam hábito, como ordem que são. “O hábito não faz o monge, mas vê-se ao longe”, dizem. Os sentimentos sobre ele são ambivalentes.
Por um lado, são belicosos quando os frades vêm com a conversa de que já não se usa. Sentem que o hábito encerra a mensagem mais igualitária e a esperança mais profunda.
Por outro lado, disfarçam mal a vergonha ao envergá-lo em determinadas situações e muito longe de casa, principalmente os homens, devido ao explícito ar fradesco, que embaraça, neste tempo pagão.
É uma Ordem anfíbia, em muitos sentidos.
Os muitos séculos deixaram variações na vestimenta que lhes servirá de mortalha – por falar nisto, pouquíssimos deles admitem embarcar para o Além despidos do seu compromisso.
O mais belo é o mais antigo: uma batina preta repleta de botõezinhos, com semelhança inegável à de um padre, com farta capa, também preta, por cima; cíngulo com cinco nós e berloques pretos ao pescoço.
Diz-se que foi inspirada pelo hábito dos conventuais… As ilhas foram dadas aos Templários, mas quem, de facto, as evangelizou, foram estes franciscanos, que ainda usam hábito preto.
Quando chegaram os Observantes, de típico hábito castanho, os Terceiros adaptaram-se à mudança; e os hábitos ficaram praticamente iguais aos deles; inclusive na gigantesca Coroa Seráfica, presa no cíngulo.
Por último, com Paulo VI, apareceu a moda das capas à estudante, ora com capuz, ora sem capuz, castanhas, um tanto ridículas, nada monásticas.
As fraternidades mais antigas ainda têm o invejável hábito preto, tudo menos pobre. E a maioria ainda usa o hábito castanho, depois de um interregno amuado, por causa da tal conversa modernaça. A ideia é que os novos membros adiram à capa.
Antigamente não havia mulheres; ou, havendo, não tinham farpela. No campo, as tias eram carmelitas e os homens franciscanos. Onde se vê muita mulher e muita capa castanha, é certo e sabido tratar-se duma fraternidade recente.
Nalgum tempo, os noviços esperavam anos para envergar o seu triunfo. Era preciso ter idade. Os Terceiros iam nas procissões com a cabeça coberta pela capa, à Klu Klux Klan, para não se ver quem era quem, e não se ligar ao status.
As capas ainda dão jeito nas frias procissões da Quaresma açoriana, bem como nas madrugadas das vigílias a Nossa Senhora.
Também se usam em funerais, em ocasiões de cerimónia e retiros. Podem ser substituídos por um tau de cordão (onde todos dão três nós, aos quais em rigor não têm direito); ou por um simples tau de lapela.
Mário Cabral Natural da Terceira, Açores é professor no liceu de Angra. É Doutor em Filosofia Portuguesa Contemporânea, pela Universidade de Lisboa, com Via Sapientiae – Da Filosofia à Santidade, ensaio publicado pela Imprensa Nacional – Casa da Moeda (2008). Para além do ensaio, publica poesia e romance. O seu último livro de ficção (O Acidente, Porto: Campo das Letras) ganhou o prémio John dos Passos para o melhor romance publicado em Portugal em 2007. Está traduzido em inglês, castelhano e letão. Também é pintor.