Que mistério guarda o Morro da Cruz?
Nos idos anos sessenta, costumava passar as férias de verão na casa da “tia” Volga. Na verdade, a “tia” era de direito prima e, de fato, muito mais que uma tia do coração. Foi ali no convívio dos primos e da turma da Herman Blumenau que ouvi falar, pela primeira vez, sobre a existência de um misterioso túnel ligando o Morro do Antão, a 450 metros acima do nível do mar, até a Igreja Nossa Senhora do Desterro e que teria sido construído por jesuítas como via de fuga, caso a Ilha fosse tomada de assalto por piratas ou, os padres, perseguidos pela mão de ferro do Marquês de Pombal. Até um baú carregado de pedras preciosas e joias de ouro da mais fina ourivesaria portuguesa dizia-se ter sido escondido no lendário túnel pelos jesuítas. Tudo é possível: o túnel e o tesouro escondido.
Por muito tempo, esta história do fabulário ilhéu, parte do imaginário coletivo da nossa cidade me intrigou. No entanto, nunca encontrei uma pista que confirmasse a sua existência, a não ser o costumeiro “diz que diz” envolto em mistério, visões sobrenaturais, “pombocas” ou tochas que se apagavam e ventos uivantes em torno da sua embocadura abaixo da grande pedra, no alto do morro do Antão, assim chamado porque na encosta leste residira o açoriano Antão Lourenço Rebolo. Era também conhecido por Pau da Bandeira por ter servido de posto semafórico como meio de comunicação entre os navios e à Vila de Desterro.
Lugar de grande beleza paisagística, vegetação exuberante, elo entre a Vila de Desterro e a freguesia da Santíssima Trindade de Trás dos Montes. Como bem descreve Virgílio Várzea em Santa Catarina, a Ilha (1900): “Por este valor portentoso abrindo para uma natureza de supremo encantos, o Morro do Pau da Bandeira deve atrair a curiosidade de todos que visitam o Desterro, como acontece com os que ali nascem e vivem…”
A propósito da beleza da Ilha e seu destino, observou o arguto Paulo Joze Miguel de Brito em sua Memória Política sobre a Capitania de Santa Catharina (1839:39-40): “Se a Ilha de Santa Catarina se tivesse dado a atenção política que merece, e se tivessem aproveitado devidamente as vantagens que ela oferece (…), sem dúvida seria ela hoje o Paraiso do Brasil.”
31 de Dezembro de 1900. Fim de tarde na Ilha. O dia se esvai na água cálida da baía enquanto o céu tingido de púrpura saúda a procissão de fiéis que parte da Igreja Matriz levando o cruzeiro de ferro para erguê-lo no alto do Morro do Antão num pedestal erguido pelo povo de Desterro. Uma iniciativa do Padre Francisco Xavier Topp para assinalar a passagem do século. A benção aconteceu em 6 de janeiro de 1901, dia consagrado aos Santos Reis.
A Ilha adentrou o Século XX sob o abraço da Cruz que, do cimo do Morro do Antão, agora Morro da Cruz, abençoava a antiga Desterro de ontem e abençoa a Florianópolis multicultural do Século XXI, esta linda moça faceira que, na inquieta jornada das gerações, como a mítica Penélope, tece a renda infinita do imaginário da Ilha com seus mistérios e lendas.
Lélia Pereira da Silva Nunes
6 de janeiro de 2014