Açorianidade – 126 [Rebelo de Bettencourt, “A canção da fonte”.
Grupo C. das Lajes do Pico, “Meu lírio roxo”]
PorqueHojeEhSabado
2012.11.17
A canção da fonte
Ao Armando Côrtes-Rodrigues
Oiço uma fonte a correr,
Oiço-a a correr e cantar,
Não tinha sede e parei
Sòmente para a escutar,
Água da fonte a correr,
Quem te ensinou a cantar?
Parece que estou ouvindo
A própria terra a falar.
Água da fonte a correr,
Sempre a correr e cantar,
O teu destino é fugir,
É fugir e não voltar.
Água da fonte a correr,
Sempre a correr sem parar,
És como os dias da vida
Que ninguém pode sustar.
Passas e deixas não sei
Que tristezas esparsas no ar…
– Cantar, também, muitas vezes,
É um modo de chorar!
Linda cantiga molhada,
Oiço-te e fico a cismar:
– Vais passando e vais morrendo,
Tudo é morrer e passar.
Onde vais, água da fonte
Tão apressada, a cantar?
– É o Mar e mais ninguém
Que por ti anda a chamar!
Água da fonte a correr,
Tua vida é singular:
– És hoje, canção da Terra,
Amanhã canção do Mar!
Coração, porque não cantas
Como esta fonte sem par?
Quem canta espalha saudades,
Não vale a pena chorar!
Canta, canta, coração,
Não deixes a dor entrar!
– A vida deixa – correr
Como esta fonte a cantar!
Rebelo de Bettencourt,
Vozes do mar e do vento,
Lisboa, Oficinas Gráficas, 1953.
José Rebelo de Bettencourt (1894-1969), poeta, jornalista, crítico literário, nascido em Ponta Delgada, ilha de S. Miguel, trabalhou em Angra do Heroísmo, em Lisboa e na cidade natal onde veio a falecer.
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