Reflexão cultural em Despenteando Parágrafos,
de Onésimo Teotónio Almeida
Onésimo é plural: professor, filósofo, investigador, ensaísta, pensador, palestrante, intelectual, ficcionista, cronista, poeta, dramaturgo, prefaciador, antologiador, crítico literário, apresentador televisivo, leitor atento e intenso, compulsivo contador de histórias, editor, historiador de cultura e de ciência, viajante infatigável, fotógrafo e… tudo!
E tudo o que ele é está em tudo aquilo que escreve. Eis um autor da reflexão cultural e da teorização estética, sendo que a sua escrita resulta de experiências vividas e sentidas. Atento ao real e ao risível das coisas, há, em Onésimo, uma capacidade de vibrar com as suas sensações e as dos outros, e de tudo olhar com um espírito que é ao mesmo tempo crítico, irónico e dialético. “Açorianíssimo de coração” (pág. 117), latino por temperamento e europeu por condição, o seu pensamento (profundo e acutilante) é essencialmente português, mas a sua metodologia de análise é estruturalmente anglo-americana.
Com um brilhozinho nos olhos, acabo de ler o último livro deste autor: Despenteando Parágrafos (Quetzal, 2015), com o subtítulo de Polémicas Suaves, e, não sei por que estranha associação de ideias, dou comigo a pensar na frase de Alexandre O´Neill: “Alain Oulman desfrissou o fado”, referindo-se o poeta àquele compositor como sendo o principal responsável por uma profunda alteração qualitativa nos fados de Amália Rodrigues. Ora, eu diria que, à sua maneira, Onésimo tem ajudado a “desfrissar” o debate de ideias no espaço intelectual lusitano, ele que, “treinado na corrente analítica” (pág. 153), gosta da clareza de ideias e de chamar as coisas pelos seus nomes, sendo, por conseguinte, avesso ao “palavreado rebuscado ou opaco” (pág. 134).
Despenteando Parágrafos reúne um conjunto de textos de Onésimo, escritos ao longo das últimas décadas, tendo alguns servido de comunicações e outros publicados em jornais, revistas, boletins e livros colectivos. Agora reunidos e formando uma unidade, estes textos abordam questões, mais ou menos polémicas, relativas a um determinado discurso teórico português, nomeadamente o millieu cultural e universitário, numa escrita viva e inteligente e num registo irónico, bem-humorado, por vezes a roçar a provocação. Autores visados, com ou sem intenção de polemizar: Camilo Castelo Branco (são-nos recordadas polémicas em que este se envolveu), Miguel Torga, Natália Correia, Helder Macedo, Vergílio Ferreira, José Saramago, Sottomayor Cardia, Fernando Dacosta, Boaventura de Sousa Santos, Diogo Ramada Curto, entre outros. Mas Onésimo também lança severas críticas e sérias dúvidas a algumas perspectivas de vários autores estrangeiros: Mario Vargas Llosa, Jean Baudrillard e Marc-Ange Graff, por exemplo.
Uma coisa é certa: há uma coerência em Onésimo (mesmo na circunstância do seu não-alinhamento pela escola e pensamento franceses), ele que, de resto, é muito assertivo na defesa de pontos de vista de António Sérgio, Ortega y Gasset, Jorge de Sena, Jacinto do Prado Coelho, Eduardo Lourenço, Ingemai Larsen, Eduíno de Jesus (o “famoso perfeccionista”, pág. 336, sobre quem escreve um texto que se lê com infinito prazer), entre outros autores.
Em mangas de camisa, desengravatado e de peito aberto, a viver em Providence em permanente ebulição verbal e desassossego criativo, Onésimo é cartesiano até dizer chega. Ele sabe assimilar, explicar, interpretar, sistematizar e aprofundar teorias, perspectivas, concepções, conceitos, valores e mundividências. Por isso, e para isso lança, nesta obra, farpas a alguns académicos lusófilos, olhares irónicos e críticos à obscuridade pensante de uma certa intelligentsia da república das letras, à aridez teorizante (por exemplo, desconfia da suposta cientificidade da crítica literária), à retórica barroca e a outros gongorismos, exibicionismos e hermenêuticas… Ele que, sabendo agilizar e soltar a prosa que o habita e o escreve, sempre privilegiou a clareza verbal, a precisão da palavra e da frase, o valor semântico, a fundamentação de preposições, a lógica da argumentação, a dialética, entre outros aspectos. E tudo isto numa altura em que, entre nós, as modas literárias vão ditando o indizível, o inexprimível, a inacção, a escrita despojada, árida e minimalista…
(A propósito, volto a insistir neste ponto: é preciso dizer a alguns plumitivos da nossa praça que é completamente falsa a ideia de que escrever difícil é que é profundo. E também importa referir que não se pode pôr a linguagem à frente de tudo. Em literatura é necessário saber construir uma história para depois a desconstruir. Tal como em música é preciso saber solfejo antes de tocar jazz. O mesmo na pintura: antes de se avançar para o abstracto é importante passar-se pelo figurativo, tal como o fez Picasso).
Adiante, para concluir.
Com robustos argumentos e acutilante argúcia, Onésimo continua a travar um diálogo intenso com o seu tempo e o pensamento dominante. Ler Despenteando Parágrafos é também ler as suas inúmeras e esmiuçadas Notas, pois que Onésimo trabalha a partir de fontes bibliográficas, não se coíbe de opinar dando a tudo o que escreve um tratamento criterioso e meticuloso.
Estejam atentos a futuras obras deste autor, sabido que é imenso o caudal onesiminiano.
Horta, 23 de Setembro de 2015
Victor Rui Dores
Nota sobre o Autor. VICTOR RUI DORES
Açoriano nascido na Ilha da Graciosa, vive na Horta onde se faz ouvir nas diferentes expressões culturais e artísticas dos Açores e não só.
Professor, compositor, dramaturgo,escritor e crítico literário.