MENINO JESUS ENTRE OS DOUTORES
Mário T Cabral, 2013
37. RETRATOS DE FAMÍLIA
e) Brideshead Revisited
Desta vez, mais do que de uma pessoa, falaremos de uma obra. O escritor inglês Evelyn Waugh converteu-se ao Catolicismo em 1930, tendo escrito Recordar o Passado em Brideshead em 1945.
Há uma certa interpretação que aproxima o livro do movimento gay, o que é tomar a nuvem por Juno. De resto, o autor declarou expressamente que o seu livro tratava do modo como a Graça trabalhava em nós, isto é, de como Deus nos chama para Si, através do seu amor imerecido e incondicional.
Para começar, o pano de fundo do romance trata da excentricidade que é ser-se uma família católica na Inglaterra anglicana; à custa desta espécie de lepra, a bela e rica Júlia ficará sem pretendente no seu baile de debutante.
Habituámo-nos, nos países do sul, a sermos a maioria e, por conseguinte, a “normalidade”. Parece chegada a hora de termos de nos treinar para não passarmos de uma “minoria criativa”, como insistia Bento XVI.
Há ganho neste novo estatuto: passar por extravagantes dá-nos a noção mais vívida da nossa crença… o de sermos, em tempo de barbárie, os herdeiros aristocratas dum passado inqualificavelmente glamoroso.
Não admira que Júlia se revolte contra a sua fé, ao exemplo do pai, enveredando pelas tentadoras aventuras da modernidade, representadas pelo canadiano Rex, com quem casa… de quem se separa… e pela vida em comum com Charles… ele também casado com outra…
… até Bridey, o irmão mais velho, lhe ter lembrado, naquela fleuma tipicamente britânica que “vivia em pecado”, como quem diz: “Estás com um vestido azul, querida”.
Uma coisa é cometer um pecado, outra permanecer em pecado. Charles que sempre achara que o Cristianismo era “without substance or merit”, aprende com a recusa da amada Júlia, o valor da palavra redenção.
E o mesmo se passa com Lord Marchmain, que aceita a extrema unção quando regressa a casa para morrer; e o mesmo se passa com Sebastian, que jamais conseguirá viver os atrevimentos de Anthony Blanche.
O destino de Sebastian comove até às lágrimas. A fina flor de Oxford embarca para Marrocos, onde se torna um alcoólico degradante que, por vezes, é recolhido no mosteiro, embora não aguente a disciplina dos frades por muito tempo.
Júlia, Sebastian e o pai mostram os abismos abertos a um católico do séc. XX, quiçá em todos os séculos. Ao contrário do que é vulgar, Waugh não os deixar cair no Inferno, que não os atrai por completo.
E há a mãe, a dignidade absoluta, à moda antiga; e a pureza de Cordélia (notar o nome), a lembrança do Céu aberto, à nossa espera.
Mário Cabral Natural da Terceira, Açores é professor no liceu de Angra. É Doutor em Filosofia Portuguesa Contemporânea, pela Universidade de Lisboa, com Via Sapientiae – Da Filosofia à Santidade, ensaio publicado pela Imprensa Nacional – Casa da Moeda (2008). Para além do ensaio, publica poesia e romance. O seu último livro de ficção (O Acidente, Porto: Campo das Letras) ganhou o prémio John dos Passos para o melhor romance publicado em Portugal em 2007. Está traduzido em inglês, castelhano e letão. Também é pintor.
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