Elizabeth Anscombe
MENINO JESUS ENTRE OS DOUTORES
Mário T Cabral, 2013
37. RETRATOS DE FAMÍLIA
d) Elizabeth Anscombe
Retomemos, depois da Quaresma, a série de católicos notáveis, de hoje, com outra mulher de arromba: Elizabeth Anscombe; a coisa é de tal ordem que muitos a consideram a filósofa maior de sempre.
Morreu em 2001. Irlandesa, estudou em Oxford, acabando a carreira de professora em Cambridge. As pessoas deslocavam-se de longe para as suas palestras, onde quer que as desse.
Tinha aquela excentricidade mítica dos ingleses: vestia calças de pele de leopardo e blusão de cabedal, usava monócolo e fumava charuto… mas, no essencial, a casa era construída sobre a rocha.
Converteu-se já na universidade, casando com outro converso, sendo mãe de sete filhos, o que só por si é exemplo ímpar para as famílias de hoje.
Discípula e amiga de Wittgenstein, aprendeu alemão para traduzir as Investigações Filosóficas; de resto, o caso dele também tem muito interesse religioso.
A mãe era católica e educou os filhos como tal. O genial filósofo nunca se confessou crente, mas tem muitas e brilhantes anotações sobre religião, entendida do simples ponto de vista lógico.
Certo é que Miss Anscombe lhe tratou do funeral católico. Não faria um ato tão sério sem um motivo forte, derivado da grande intimidade com o defunto.
A sua importância para a Filosofia deriva da reflexão moral; mas o pensamento religioso não é de menosprezar. Por incrível que possa parecer, aquela tinha entrado em colapso, a partir dos modernos.
Na essência, e com base na distinção entre juízos de facto e de valor, os modernos retiraram todo o crédito às afirmações morais, introduzindo o nefasto relativismo.
Só as ciências experimentais fazem proposições com valor de verdade, afirmavam; todas as outras afirmações filosóficas podem ser verdadeiras e falsas, ao mesmo tempo… isto é, não têm qualquer rigor.
Ora, nem os juízos de facto são tão inflexíveis; nem os juízos de valor são assim fluidos – até se pode concluir que o fundamento moral é muitíssimo mais inabalável.
A opera omnia de Anscombe é sobre a Intenção, onde uma ação (voluntária) é distinta dum acontecimento (causalidade pura). Reabilita as virtudes, de Aristóteles, que são mais objetivas do que o legalismo, à Kant.
Não era mulher de ficar na cátedra, a ver passar o mundo. Bateu-se contra o Honoris Causa ao presidente Truman… perdeu, mas introduziu na universidade a questão católica da guerra justa.
E em 1972 publicou Contraceção e Castidade: contra a pílula, o aborto, o controlo de natalidade. Este texto vai ganhando com o passar do tempo, como uma previsão.
Mário Cabral Natural da Terceira, Açores é professor no liceu de Angra. É Doutor em Filosofia Portuguesa Contemporânea, pela Universidade de Lisboa, com Via Sapientiae – Da Filosofia à Santidade, ensaio publicado pela Imprensa Nacional – Casa da Moeda (2008). Para além do ensaio, publica poesia e romance. O seu último livro de ficção (O Acidente, Porto: Campo das Letras) ganhou o prémio John dos Passos para o melhor romance publicado em Portugal em 2007. Está traduzido em inglês, castelhano e letão. Também é pintor.
Imagem de http://www.nytimes.com/2011/01/08/us/08beliefs.html?_r=0