Manoel de Oliveira
MENINO JESUS ENTRE OS DOUTORES
Mário T Cabral, 2013
37. RETRATOS DE FAMÍLIA
f) Manoel de Oliveira
Poucos cineastas ombreiam com Manoel de Oliveira em questões de fama mundial e qualidade que supera o gosto. Enquanto artista português - e consideradas todas as disciplinas – esta excelência dá-se quer em relação ao séc. XX quer em relação a toda a nossa história.
Trata-se dum autor católico. Foi escolhido para fazer o discurso de boas-vindas ao Papa Bento XVI, em 2010; na altura, declarou: “Todos os meus filmes são religiosos”.
Referia-se, com certeza, ao sentido da vida, que é sempre buscado, sem catequese. Aliás, o autor cristão, mais do que nenhum, tem a obrigação da excelência sempre ultrapassável, sem tibiezas.
Uma obra vale tanto por aquilo que não faz como por aquilo que faz. Veja-se o caso de Hollywood, em queda livre, no geral, tanto pela ideologia quanto pela técnica cinematográfica de pacote, com o fito das audiências de massas.
Não é exagerado afirmar que o cinema americano se tornou numa das fábricas propagandísticas mais eficazes na propagação dos valores relativistas contemporâneos. A falácia é sempre a mesma: apelo à compaixão.
Quer-se promover a adesão à eutanásia; então faz-se um filme com um grande atleta que sofre um acidente e leva-se o espetador à lágrima fácil, compadecido do coitado do paraplégico que outrora quase voou como um pássaro.
Não é preciso ser muito inteligente para saber qual a resposta que certa deixa vai ter. O riso acontece sempre no mesmo tom e os atores exageram os gestos e as expressões faciais de modo caricato. Overacting.
O pior que pode acontecer a um artista é prostituir-se com o seu público, isto é, fazer para agradar. O seu dever fundamental é para com a obra, que pode levar muito tempo até ser apreciada… o que pode acontecer depois da morte.
Manoel de Oliveira viveu tanto que assistiu à sua consagração universal. Vem do cinema mudo a passo firme mas sem pressas, conquistando primeiro os especialistas, que notam a originalidade do seu génio.
Há uma cena em “Vale Abraão” que serve de exemplo do “atrevimento” do português. A câmara imobiliza-se em frente da casa por minutos largos, a tela transforma-se numa fotografia, num quadro… deixa de haver cinema.
Ao mesmo tempo, ouve-se a conversa das personagens que, lá dentro, jantam. Quando, por fim, entramos do saguão e vemos a escada, assistimos à cena que já ouvíramos narrada.
Tempo, espaço e narrativa são, deste modo, recriados. Poucas vezes o cinema casou tão bem com a literatura, sem subserviências de nenhuma das partes, com cada qual a doar o seu melhor.
Imagem de http://noticiasdodac.blogspot.ca/2010/07/adiada-exibicao-do-filme-party.html