RIO DE JANEIRO 1808-1821 – de burgo provinciano a cidade imperial
Quando a Família Real portuguesa e o seu séquito. fugindo à primeira invasão napoleônica, aportaram ao Rio de Janeiro em março de 1808, foi imediata a sua fascinação com as águas calmas da Baía de Guanabara, enquadradas por altas montanhas de luxuriante vegetação e com o caloroso acolhimento pelo povo. Deparou-se-lhes todavia a cidade como um aglomerado pobre e mal urbanizado, com 75 ruas, largos e alamedas e cerca de 60 000 habitantes.
48 horas após o desembarque o Príncipe Regente D. João nomeou o seu primeiro ministério composto por três secretários de estado. Logo começaram a surgir decretos para tentar resolver a miríade de problemas que essa vinda ocasionava.
Uma primeira questão consistia em adequadamente inserir na vida da cidade 10 000 a 15 000 novos habitantes, tal era o número de acompanhantes da Família Real. Para começar havia que atender ao alojamento desta multidão. Uma medida foi a confiscação das melhores residências e a sua pronta desocupação.
Nas fachadas pintaram-se então as letras PR, que correspondiam a Príncipe Real mas que o ácido humor fluminense interpretava como “Prédio Roubado” ou “Ponha-se na Rua”.
Ao desembarcar, o Príncipe instalou-se no Palácio do Vice-Rei. Mais tarde ocupou um edifício de três andares na Quinta da Boa Vista, a umas centenas de metros do local onde se ergueria o Estádio do Maracanã.
Um dinâmico surto de expansão e modernização urbanística teve o seu início e prosseguiu por todo o período joanino. Com o decorrer dos anos os portugueses mais abastados e os membros do corpo diplomático mandaram construir vivendas pelos bairros da Glória, Catete, Flamengo, Botafogo, Laranjeiras e Cosme Velho. Os mais pobres alojavam-se em cortiços no centro da cidade.
Durante esta época a área urbana triplicou e tornou-se necessário regulamentar a administração municipal. Em 1809 foi criada a freguesia de São João Baptista da Lagoa, abrangendo os espaços hoje compostos pelos bairros de Botafogo, Copacabana, Gávea, Jardim Botânico, Leblon e Leme.
Havia ainda, contudo, numerosos casos a resolver. Nas ruas, infestadas de ratos, abundava o lixo. Um historiador brasileiro comentou sarcasticamente que o saneamento citadino estava entregue aos urubus. Não existia um sistema de esgotos. Os restos da cozinha e os dejetos eram transportados em tonéis, às costas de escravos, até à praia, onde as marés os dissipavam. O processo não deveria chocar muito os recém-vindos. Em muitas áreas da sua Lisboa estes produtos ainda se atiravam, ao brado de “Água vai!”, da janela para um rego no meio da rua.
Era uma cidade barulhenta. Além dos gritos dos vendedores ambulantes, os sinos tocavam amiúde. Nove badaladas anunciavam o nascimento de um menino e sete o de uma menina. Cada navio que entrava ou saía do porto disparava uma salva de 21 tiros, que era correspondida por outra idêntica de uma fortaleza da costa.
Numa faceta mais positiva, construíram-se edifícios públicos dignos de uma cidade moderna. Na artéria principal do Rio, a Rua Direita, hoje Rua 1º de março, surgiram o Paço Real, a residência do Governador, a Alfândega e a Casa da Moeda.
Ergueram-se também igrejas e quartéis, calcetaram-se a alargaram-se estreitas ruas para permitir a passagem de carruagens, iluminaram-se outras com lampeões de azeite de peixe, dotaram-se as casas com janelas envidraçadas.
Criaram-se jardins e melhorou-se o porto. Para evitar a propagação de doenças foram drenados pântanos e aterradas lagoas. A dificuldade em obter água potável foi parcialmente aliviada com a captação de mananciais e a construção de chafarizes.
Em 1816 é inaugurado um serviço de carruagens ligando o centro da cidade a Botafogo. Para a Corte, todavia, não se levantariam sérios problemas de transporte. Só as cavalariças anexas ao Palácio Real na Quinta da Boa Vista, dispunham de 300 cavalos e mulas,
Quando a Família Real chegou ao Rio de Janeiro o patrulhamento urbano estava deficientemente entregue a um corpo de quadrilheiros, habitantes compelidos, como os seus homólogos lisboetas, a esse ingrato serviço.
Com a expansão populacional o Rio tornava-se todavia uma cidade perigosa e muitos habitantes receavam sair à rua de noite. Para controlar esta situação fundou-se a Intendência Geral da Polícia da Corte, que para além da manutenção da ordem pública se ocupava de outros problemas munocipais.
Nesta ordem de ideias criou-se a Guarda Real da Polícia da Corte, dotada de armamento e uniformes iguais aos da sua congênere lisboeta., constituída em princípio por 218 elementos de infantaria e cavalaria.
Para chefiar esta instituição foi escolhido o advogado Paulo Fernanses Viana que se distinguiu tanto pela sua atuação policial como administrativa. Assim melhorou o abastecimento de água e a coleta do lixo, moderou os excessos cometidos sobre escravos, proibindo por exemplo o seu açoitamento em praças públicas e procurou de um modo geral incrementar a qualidade de vida da sociedade carioca.
Quanto à manutenção das ordem na via pública, apesar de apenas dispor de 75 guardas dos 218 decretados, tentou minimizar problemas resultantes de embriaguês, assaltos, desordens e outros distúrbios como os apedrejamentos de transeuntes por escravos. Também estes infringiam a proibição de praticar certos jogos como a capoeira.
A fixação da Corte no Rio causou pois uma dramática viragem da história da urbe na medida em que ocasionou o que alguns acadêmicos designaram como “inversão metropolitana”. De fato, em 1821, aquando do regresso do então já Rei D. João VI a Portugal, a modesta capital de uma colônia viu-se, havendo ultrapassado Salvador, a maior cidade brasileira, assim como o centro de poder de um vasto império com ramificações em quatro continentes.
Eduardo Mayone Dias
eduardomdias@sbcglobal.net
______________________________________
Sobre Eduardo Mayone Dias:
Eduardo Mayone Dias nasceu em Lisboa. Licenciou-se em Filologia Germânica pela Faculdade de Letras de Lisboa. Doutorou-se em Literatura Hispânica pela University of Southern Califórnia, Los Angeles (USC). Desenvolve a vida acadêmica em diferentes instituições e países.
Chegou em 1961 nos Estados Unidos, sendo Professor assistente de Português no Defense Language Institute de Monterey, Califórnia e a partir de 1964 foi Professor da Universidade da Califórnia, Los Angeles (UCLA) até se reformar.
Sua vida não girou em função da vida acadêmica. No ensino e na investigação Mayone Dias foi inovador atuando junto a comunidade de emigrantes.
Da sua vasta produção literária destaca-se:
Crónicas das Américas, Lisboa, 1981;Açorianos na Califórnia, Angra do Heroísmo, 1982;Coisas da Lusalândia, Lisboa, 1983;Novas Crónicas das Américas, Cacilhas, 1986; Falares Emigreses, Lisboa, 1990;Brasil: Língua e Cultura, (co-autor), Newark, Delaware, 1992;Crónicas da Diáspora, Lisboa, 1992; Miscelânea LU.S.A.landesa, Lisboa, 1997;A Presença Portuguesa na Califórnia. Rumford,RI(2002) .
Vale destacar ainda: “The Portuguese Presence in California”(2009), traduzido para inglês por Katharine F. Baker, Bobby J.Chamberlain, Ph.D., e Diniz Borges, Portuguese Publications
of California
Presente em inúmeras publicações e autor de centenas de artigos e crônicas sobre vários aspectos das literaturas e culturas hispânicas. Colabora em inúmeros jornais e revistas do País e do exterior,especialmente da Comunidade Portuguesa como os jornais Tribune Portuguese, (Califórnia) Portuguese Times (New Bedford), e a Revista ComunidasUSA.
Prêmios: Por sua sua obra e importante d
ivulgação da língua e cultura portuguesa recebeu o grau de Comendador e Grande Oficial da Ordem do Infante D. Henrique e a Medalha de valor e Mérito das Secretaria de Estado da Emigração, do governo de Portugal. Nos Estados Unidos foi alvo de várias homenagens e condecorações. No Brasil,é membro do Instituto Histórico e Geográfico de Santa Catarina..