Romper das águas
Quando eu nasci, o tempo
de nascer ainda não tinha chegado.
Dizem que nem unhas tinha,
só arremedos de sobrancelhas,
olhos bordados de espanto
entre o esgar e o sorriso.
A incubadora que me esperava
era a quentura dos braços de minha mãe
e o olhar apoquentado e terno de meu pai.
O destino tocava um minueto
no piano desafinado da casa do meu avô
e o meu tio padre exorcizava
diabólicas venturas e sacros devaneios.
Ainda hoje, que já percorri
mundos e mares e que a ilha me comove
vigilante de horizontes,
no amor que me consome,
aguardo, sem pressas,
o tempo de nascer.
Sobre o poeta Artur Goulart .
É natural das Velas, São Jorge, leccionou em Angra, foi Chefe de Redacção do jornal “A União” e, mais tarde, foi Director do Museu de Évora. É um especialista em Arte Sacra e tem sido o responsável pelo levantamento do tesouro artístico da arquidiocese de Évora. É autor de vários trabalhos no domínio da arte sacra. É também poeta com obra dispersa, mas sobretudo com muita criação inédita.