Natural de Cachoeiro do Itapemirim, Rubem Braga (1913-1990) é considerado por muitos o melhor cronista brasileiro. É talvez o único integrante de nosso primeiro time de escritores que alcançou essa condição exclusivamente com a crônica. Ainda adolescente, começou a escrever para um jornal de sua cidade. Em 1932, formou-se em direito em Belo Horizonte, onde exerceu o jornalismo no diário O Estado de Minas. Depois, transferido para o Rio de Janeiro, trabalhou no Diário Carioca, que o enviou para a Itália em 1944 para cobrir a Segunda Guerra Mundial.
Sempre escrevendo crônicas para jornais e revistas, Braga as reuniu em 13 livros, publicados regularmente desde 1936. Em 1977 ele organizou o volume 200 Crônicas Escolhidas, coletânea que se tornou um clássico e representa um saboroso extrato de todo o seu trabalho de cronista.
Para o post do Blog Comunidades foram selecionadas do Poesia.Net duas crônicas do escritor capixaba e incluídas nas duas centenas escolhidas pelo autor.
A crônica “Ai de Ti, Copacabana!”, foi escrita em 1958 e constitui uma excelente paródia aos textos bíblicos. Disposta em versículos numerados, lança maldições sobre o famoso bairro carioca de Copacabana, supostamente mergulhada em luxúria e iniqüidades. Assim como no livro do Gênesis a ira do Senhor se abate sobre Sodoma, aqui o texto profetiza a destruição da “pecaminosa” praia carioca.
O título da crônica, repetido várias vezes como um bordão, inspira-se no Velho Testamento: “Tenho visto as tuas abominações sobre os outeiros e no campo, a saber, os teus adultérios, os teus rinchos e a luxúria da tua prostituição. Ai de ti, Jerusalém! Até quando ainda não te purificarás?” (Jeremias 13:27). Rubem Braga usa ainda outras referências à Bíblia, sempre na mesma linguagem profética e altissonante.
Um detalhe: o “Oscar, filho de Ornstein”, citado no versículo 17, é Oscar Ornstein, empresário musical e produtor artístico que foi relações-públicas do Hotel Copacabana Palace. Foi ele quem trouxe Frank Sinatra para o show no Maracanã em 1980. Ornstein morreu em 1990. O palácio que ele deveria reservar para Iemanjá, segundo o versículo braguiano, seria portanto o Copacabana Palace.
Por fim, a crônica “O Cajueiro”, escrita em 1954 — uma página que remete diretamente à infância do cronista. Observem a beleza desses cinco parágrafos. Uma história envolvente para qualquer leitor, mas especialmente para quem passou a infância no interior, com árvores, frutas e quintais. No final, entende-se: o cajueiro dos Braga era como se fosse uma pessoa da família.
Carlos Machado
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Sobre o autor Carlos Machado:
Carlos Machado nasceu em Muritiba (BA), em 1951. Jornalista, reside em São Paulo. Tem poemas publicados em revistas literárias e antologias e é autor da coletânea Pássaro de Vidro (Hedra, São Paulo, 2006). Edita na internet o boletim quinzenal poesia.net.
O poesia.net é uma página ilustrada que contém uma breve seleta de textos de um poeta, acompanhada de uma apresentação do autor e comentários sobre sua obra. Publicado desde 2002, o boletim tem cerca de 4 mil leitores que o recebem por e-mail. As edições também ficam disponíveis na internet, no endereço www.algumapoesia.com.br.
Foto Rubem Braga:http://bienalrubembraga.com.br/system/rubem-braga/