O crepúsculo enche-me a alma,
a Serra Vermelha
diz-me coisas que não conheço
e o mar navega em leitos estreitos
como se fosse um rio-pátria,
mecânico e ostensivo, navegando nas brumas da mágoa.
Na complexidade deste corpo homem,
não sei se a alma me abrange no tamanho do coração,
porque amo tudo e todos,
como se tudo em mim preenchesse
a longitude das coisas que não conheço.
Quando escrevo
dou-me em sensações por símbolos e segredos,
dando-lhes uma consistência que não têm,
supondo-as de uma forma suprema e real
como quando puxamos o destino para aqui
ou rasgamos o espaço
de traços e fios que não têm fim.
O homem é um ser suposto,
feito de tudo e de nada!
Os homens, inspirados na simplicidade do tempo,
lançaram-se ao mar e fizeram-se navegadores
navegando totalmente sobre mares flutuantes de outros cais,
outros portos, outros tempos menos modernos
que a contemporaneidade dos tempos modernos ― progressivos!
Fizeram-se ao mar, os homens,
prolongando, noutros cais, noutras docas, noutros portos,
a inquietude dos sofrimentos terrestres;
a mágoa-dor, dizendo-se humana, dos homens navegantes:
rompendo, galgando, impondo, conquistando,
a fraternidade de outras-gentes dinâmicas doutras almas
mais puras que as deles impuras.
Fizeram-se ao mar!
Navegaram! Conquistaram! Transportaram a si
a carga de outros barcos-navios, triunfando a espada
sobre um sofrimento, quase silêncio,
de outros povos ― menos felizes!, erguendo cidades, dominando espaços,
produzindo outros ruídos de novas civilizações:
― a industrialização galgando acima dos trópicos,
revolucionando matematicamente o espaço tropical,
acordando entre si a união férrea
de todos os lugares ocasionalmente interessantes.
E em nós, ― tempo presente ―,
restou a mágoa casual das invasões seculares
que habilmente ecoaram
nas imediações dum tempo moderno e presente.
O mar noutros tempos era o fim,
Era lá que tudo acabava!
Rui Machado,
Um homem para ser feliz,
Angra do Heroísmo, DRAC, 1988.