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Imagem de Rumo às “ilhas desconhecidas”: o olhar de Torga sobre os Açores – Dora Nunes Gago
Comunidades 16 mai, 2011, 22:46

Rumo às “ilhas desconhecidas”: o olhar de Torga sobre os Açores – Dora Nunes Gago



        

O Diário de Miguel Torga assume-se, indubitavelmente, como uma obra sui generis no seio dos “cânones” da escrita diarística, nomeadamente, na definição do diário como registo quotidiano de eventos e vivências que privilegia a narração, aliada a pendor confessionalista.
        Assim, o que este diário nos revela, para além das vivências, sentimentos e percursos do seu autor, é o olhar de observador atento do mundo, as teias da História que se foram construindo e rasgando ao longo de sessenta e um anos. Nesta sequência, o Diário evidencia os trajectos do “eu” e o seu olhar face ao “outro”, consubstanciado nos seus conterrâneos ou nos povos dos diversos países visitados, através das andanças do escritor, como “geófago insaciável”, pelos caminhos de Portugal e pelos diversos continentes. Mas esses locais percorridos e conhecidos só adquirem sentido, configurados a partir do seu axis mundi: a transmontana aldeia natal de S. Martinho de Anta.
        O registo da viagem aos Açores é iniciado “a bordo e a descer o Tejo”, numa passagem datada de 14 de Março de 1970, onde o autor revela a ansiedade perante a eminência de novas descobertas, aliada ao receio de não as conseguir materializar através da palavra (“Cada palavra que escrevo é sempre uma aventura a que me arrisco de alma apertada” (Torga 1999: 1173). Nesta sequência, confessa: “Contemplar um panorama novo, ouvir uma voz estranha, provar um fruto exótico, foram sempre as grandes festas da minha natureza. Nasci ávido de desconhecido, guloso dos segredos da Terra.”(1999:1173).
        Seguidamente, as primeiras imagens apreendidas de S. Miguel são marcadas pelo deslumbramento, sendo a chegada à ilha descrita de forma “fotográfica”, através da objectiva da alma, de acordo com as impressões captadas de alto mar, partindo do geral e abstracto para o particular e concreto. Perante tal cenário é a sensação de desintegração, de puro assombro perante a beleza que o viajante nos revela: “Assombrado, perdi a firmeza diante dum tal fascínio (…)”. A imagem construída através da leitura da obra Ilhas desconhecidas de Raul Brandão, as expectativas que Torga transportava na sua bagagem cultural e emocional desmoronam-se completamente: a paisagem contemplada é indescritível, podendo apenas a literatura consubstanciar “meras e sugestivas ficções”, perante aquele “abismo de cor, idílico e terrível ao mesmo tempo, de paredes abruptas e alcatifado por um lago de límpida transparência”.
       Na passagem datada de 16 de Março, insiste na questão do indizível, na dificuldade em encontrar palavras que descrevam aquele “pequeno mundo encantado”. Por isso, procura sintetizar as suas impressões, através da palavra “paraíso”, a única que se parece coadunar com o cenário presenciado, visto que os próprios excessos da Natureza apenas sublinham o deslumbramento. Mais adiante, especifica: “Paraíso, portanto, na acepção de maravilha terreal, e ainda na adâmica aparência da gente que o habita. Simples, cordial, pacífica, parece fazer parte de uma humanidade sem pecado original.” (1999:1175).
        Assim, a pureza original da paisagem integra também os habitantes. Neste contexto, Torga, marcado por um desesperado sentimento agónico, relativamente à fé, revela-nos a emoção despertada por um grupo de romeiros: “Encontro na Ribeira Grande um grupo de romeiros penitentes que dão a volta à ilha a entoar benditos. E há tal singeleza na fé que os impele, que só de criaturas já na graça de Deus.” (1999:1175).
        Posteriormente, o viajante revela-nos a ânsia de conhecer a essência de toda aquela beleza e os trajectos percorridos: “Com o mapa panorâmico e humano da pátria alargado a dimensões insuspeitadas (…). Subo, desço, visito igrejas, decifro inscrições (…) perco-me nos parques exóticos, vou rever o Nordeste e as suas Fajãs. E, quanto mais ando e desando, mais me convenço de que não se pode entender um homem sem lhe conhecer o berço (1999: 1178).
        Para um autor verdadeiramente marcado pelo mito de Anteu, como é o caso de Torga, no qual pulsa um telurismo aliado à ânsia de universalismo (como ele próprio escreveu, “o universal é o local sem paredes”), conhecer a terra é condição sine qua non para desvendar o carácter do povo que a habita. Por isso, só depois de ter pisado e conhecido o chão dos Açores, ele se considera apto para interpretar o carácter dos açorianos. É então que afirma:

 “Companheiro de emigração e trabalhos de vários açorianos, condiscípulo doutros na Universidade, amigo de alguns, só agora começo a compreender aquela brandura explosiva, aquela generosidade reticente, aquela coragem medida, aquela modéstia lavada, aquela tenacidade inquebrantável, e aquela melancolia alegre que os fazia tão singulares. Marcado pelo meio como nenhum outro mortal, o ilhéu é o que a sua ilha é”. (1999: 1179).

         Deste modo, a terra é concebida como o elemento configurador dos seres humanos nela gerados, desenhando-lhes a personalidade. Para comprovar esta ideia, o autor estabelece uma comparação com os habitantes das outras regiões, referindo:

 “O transmontano, o beirão ou o estremenho vêem a cada hora uma pequena fracção apenas da sua província. E hiperbolizam o resto com a imaginação. Mas o ilhéu tem sempre nos olhos o ninho inteiro, e, no caso particular do açoriano, um ninho vulcânico que transformou em jardim, e que pode ir pelos ares de um momento para o outro. E é na consciência viva dessa segregada exiguidade territorial e dessa contingente durabilidade que radica a força e a contraforça do seu carácter, a moderação dos seus afectos, o pragmatismo das suas convicções (…)” (1999: 1179).

         Deste modo, para além da contingência geográfica, segundo Torga, fui também da luta para transformar e melhorar a Natureza que o carácter açoriano se formou, visto ter transformado um “ninho vulcânico” em jardim.
        Mais tarde, a 9 de Junho de 1989, o escritor transmontano regressa a Ponta Delgada para ser distinguido com o Prémio Camões. Evidencia o seu profundo agrado por ser distinguido nos Açores, enfatizando, novamente a autenticidade, a pureza, a fidelidade daquele território: “Açores, novamente. E o mesmo fascínio da primeira vez. Portugal que nenhum tempo desfigurou por fora e por dentro, pátria insular de nove corações, sinto no seu regaço, a paz arcaica que me vai faltando na continental. (…) Aqui, onde permanecemos iguais ao que medularmente somos.” (1999: 1659).
        Em suma, na primeira visita realizada aos Açores de 16 a 19 de Março de 1970, o escritor visitou S. Miguel, o Pico, o Faial e a Terceira. Revelou-nos notória admiração e apreço pelo povo açoriano, irmanados com um profundo deslumbramento pela paisagem pura, genesíaca. Estes sentimentos são renovados dezanove anos depois, ao ser galardoado com o Prémio Camões, momento em que aquele cenário se assume como um refúgio para as agruras da vida, um lenitivo para as feridas da descaracterização que vão sulcando o continente. Também desta vez, escreve um poema, neste caso, intitulado “âncora”, emblema conotado com a esperança, presente na praça de Ponta Delgada. Nele, evoca Antero, reacendendo o fascínio por aquela terra pintada de silêncio, num “azul de mar, negro de lava e cal”.

Bibliografia:
Torga, Miguel, Diário, ed. Integral, Lisboa, Publicações. D. Quixote, 1999.

  

Dora Nunes Gago

Dora Nunes Gago é professora, doutorada em Línguas e Literaturas Românicas Comparadas, investigadora de pós-doutoramento da FCT, na Universidade de Aveiro. Publicou: Planície de Memória (poesia, 1997); Sete Histórias de Gatos (em co-autoria com Arlinda Mártires), 1ªed. 2004, 2ª ed. 2005; A Sul da escrita (Prémio Nacional de Conto Manuel da Fonseca, 2007); Imagens do estrangeiro no Diário de Miguel Torga (dissertação de doutoramento), Fundação Calouste Gulbenkian/FCT, 2008.
Além disso, tem poemas, contos e ensaios em diversos jornais, revistas e antologias. Tem apresentado igualmente diversas comunicações em Congressos Internacionais em Portugal e no estrangeiro.

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