Intervenção de José Andrade na apresentação do livro Aurora, de Carolina Constância
Caro Presidente da Câmara Municipal de Ponta Delgada, José Manuel Bolieiro
Caro representante da Chiado Editora, Pedro Paulo Camara
Caros familiares e amigos
Começo com uma declaração de interesses: a Carolina é minha sobrinha. Da parte da minha irmã Ana Paula Andrade.
Mais: a Carolina é a minha sobrinha preferida!
Na verdade, é a minha única sobrinha. Pelo lado dos Andrades. Os outros são rapazes. O seu irmão Henrique Constância e o seu primo André Andrade.
Portanto, dos cinco netos da minha mãe, depois da Beatriz Andrade e da Margarida Andrade, a Carolina é a menina que me fica mais próxima.
Para mim, será sempre menina. Mas cresceu e surpreendeu.
Surpreendeu, antes, quando conseguiu conciliar a tradição musical da família com o gosto inédito pelos números.
Casou as notas da pauta com as notas do banco.
Surpreendeu, agora, quando junta à Música e à Matemática um terceiro talento.
Já lhe conhecíamos o gosto pela leitura.
Não lhe conhecíamos o gosto pela escrita.
Está-lhe no sangue.
Tem a marca genética da escrita jornalística ou científica do bisavô Cícero de Medeiros, dos avós Manuel Jacinto Andrade e João de Medeiros Constância, do pai João Paulo Constância.
Ainda assim, foi uma grande surpresa. Ou melhor, foram duas grandes e boas surpresas.
Primeiro, surpreendeu-nos a todos com a iniciativa pessoal e solitária de candidatar o seu romance à aprovação entusiástica da Chiado Editora em Lisboa.
Depois, surpreendeu-me completamente pela qualidade e pelo interesse da sua escrita.
Devorei este livro em dois dias, entre aeroportos e aviões, do Corvo até Ponta Delgada com escala na Horta.
E fui encontrando os seus personagens na vida real.
A Dona Rosa na aldeia, o Lourenço na vila, a Aurora na cidade.
A ficção confunde-se com a realidade.
Revemo-nos aqui pelos desencontros da vida, pela busca da felicidade.
No primeiro capítulo, conhecemos, por um lado, o Senhor Xavier, casado com a sua amada Dalila, que morreu com o nascimento de Aurora.
No segundo capítulo, conhecemos, por outro lado, a Dona Rosa, a jovem mãe obrigada a casar-se com Afonso, o pai ausente de Lourenço, uma criança fechada sobre si própria.
No terceiro, a jovem Aurora sonha com um amor que sente e sabe que existe. Decide sair à sua descoberta. Como dizia o seu pai, todos nós temos uma estrela; mas a vida começa quando decidimos procurá-la.
No quarto, Aurora atravessa um túnel escuro e descobre um mundo novo. Mas não encontra o rapaz de cabelo acobreado.
No quinto capítulo, Aurora descobre uma aldeia comunitária. Fica deslumbrada e intrigada com a distante casa pintada de branco. Dona Arlete diz-lhe que ali mora Rosa com o filho Lourenço.
No sexto, Aurora visita a Dona Rosa, mas não chega a conhecer o seu filho. Permanece, assim, desencontrada consigo própria…
No sétimo, encontra finalmente o seu príncipe encantado, que sempre conhecera e que nunca antes vira.
No oitavo, dedica-se ao jovem autista, num monólogo diário não correspondido.
No nono, Lourenço começa a reagir, sem que Aurora ainda perceba, mas continua bipolar na relação exclusiva com a mãe.
No décimo capítulo, Aurora regressa, como sempre, à casa pintada de branco, mas desta vez não encontra aqui ninguém…
No décimo primeiro, retoma as visitas diárias a Lourenço. Agora no hospital psiquiátrico. Agora com amor correspondido.
No décimo segundo, percebe-se que afinal era só, de novo, a sua imaginação. Aurora toma então o lugar de Lourenço na sua própria casa. E fecha-se sobre si própria. Mas com a velhinha da aldeia aprende que há outros desencontros na vida…
No décimo terceiro, Lourenço foge na cidade e encontra-se a si mesmo. Decide, por isso, regressar à sua aldeia.
No décimo quarto, Aurora desiste de Lourenço e conhece fugazmente um rapaz que lhe desafia a viver a vida…
No décimo quinto capítulo, Lourenço desencontra-se de Aurora. Mas decide, finalmente, procura-la e reencontrar-se.
No décimo sexto, Aurora fica-se pela cidade. Entrega-se ao mundo novo dos livros e emprega-se na pastelaria de uma antiga bailarina que lhe promete conhecer novos mundos sem sair do lugar.
No décimo sétimo, Lourenço troca a sua aldeia pela vila de Aurora. Conhece, por acaso, o pai dela. Confessa-se, a si próprio e a ele, um homem novo.
Os próximos e últimos capítulos são surpreendentes. Por isso não devem ser antecipados.
E por muito que esta ementa possa abrir o apetite à leitura para saborear 125 páginas de um romance servido com os condimentos devidos, este livro vale a pena, desde logo, pelo seu conteúdo dramático, mas também – e porventura ainda mais – pela sua forma literária.
É uma história bem contada num livro bem escrito.
A caraterização física, psicológica e sentimental de cada personagem, a descrição concreta, metafórica e ambiental de cada lugar, atiram o leitor para dentro do livro, amarram a leitura da página seguinte, como deve acontecer num bom romance.
E este é só, ainda, o primeiro romance. A aurora literária da Carolina Constância.
Uma aurora solarenga que anuncia um dia radioso.
Com a última página ficamos à espera do próximo livro. E dos seguintes.
Na estreia luminosa de um talento escondido, a Carolina surpreende-nos a todos.
Surpreendeu-me tanto e tão bem, que até deixou de ser a minha sobrinha…
Passou agora a ser a minha escritora!
JOSÉ ANDRADE
Jornalista e escritor
Ponta Delgada, Centro Municipal de Cultura, 2 de junho de 2017