Ernesto Rodrigues, Lisboa em Baptista-Bastos, Lisboa, Âncora Editora, 2015
Lisboa é uma presença fundamental em meio século de criação literária de Baptista-Bastos. O leitor percebe como esse significante textual, essa paixão do lugar, se apresenta, questiona e organiza, desde O Secreto Adeus (1963), num crescendo de adesão já microscomizada em bairros – e, destes, eleição da Ajuda –, emergindo, também, na cronística, coroada em Lisboa Contada pelos Dedos (2001), que ecoa profusamente na parte antológica deste volume. Na primeira parte, com análise cronológica de cada título de ficção, vemos como a lexia da capital no século XX, desde 1918 (ou, em termos de mitologia pessoal, desde 1939), se recupera na feliz intersecção espácio-temporal e torna Baptista-Bastos par de um amigo regularmente evocado, José Rodrigues Miguéis, que aquele enaltece em contracapa de 2013: «Um grande e singularíssimo escritor.»
Logo na estreia, coloca o Autor um problema: devemos inventariar e reproduzir lugares ou reportar o que se não vê à primeira, e, muitas vezes, só se sente, cheira e adivinha? O olhar nomeia e descreve, cenografando recantos que, não raro, há muito perdemos; a indagação faz-se memória e, sem esquivar itinerários, funda-os enquanto referência maior ou dá-lhes protagonismo. Não se trata de uma literatura de espaço exterior a nós, sendo embora retratista dos bairros de Lisboa. É de interior, numa duração proustiana, justificando uma topo-análise, enquanto «étude psychologique systématique des sites de notre vie intime» (Gaston Bachelard, La Poétique de l’Espace, 7.ª ed., Paris, Quadrige/PUF, 1998, p. 27). Esbate-se o olhar a favor da harmonia dos sentidos. Do vário bairro à casa, da janela à soleira, e ao Tejo, o espaço feliz, ou topifilia, vence o hostil.