Memórias da Cantoria: Palavra, Performance e Público
A cantoria representa nesta pesquisa uma forma poética de comunicação com o mundo. Uma poética da oralidade que, através de suas metáforas improvisadas ao som da viola, traz representações de aspectos vividos em contextos culturais e sociais diversos. Seus protagonistas – cantadores e ouvintes – são, portanto, agentes importantes através dos quais a cantoria alcança sua plena realização. E aqui eles assumem um papel fundamental: o de mobilizarem suas memórias para recriar e explicitar os diferentes caminhos dessa arte no seu constante movimento cultural entre sertão e cidade.
Na tentativa de avançar na compreensão da cantoria, considero que ela vem ao longo de sua historicidade passando por algumas transformações, agregadas, sobretudo, a sua maior permanência nos centros urbanos e à incorporação que a mesma tem feito de elementos ligados a diferentes meios de comunicação e tecnológicos, mais acessíveis nesses espaços. Por outro lado, mesmo situada nessa dinâmica cultural, é por meio da palavra/voz do cantador, de sua performance junto ao público, que a cantoria continua melhor se realizando e dando continuidade à sua existência. O corpo/memória, transformado em voz e palavra no momento desse encontro entre uma mensagem poética e um ouvinte ávido por essa poesia, continua sendo a força de atração dessa arte.
Os depoimentos traduzem a parte que considero mais importante desta pesquisa. As narrações de cantadores e ouvintes ganham primazia na construção do texto. Por isso, essas vozes discursivas aparecem com bastante força ao longo de todo o trabalho, porque elas compõem o essencial da pesquisa: cantador, palavra, performance e público.
Os quatro capítulos do livro refletem dez anos de pesquisa iniciadas na graduação e intensificadas no mestrado e parcialmente concluída com a publicação da tese do doutorado.
No primeiro – Cantoria: voz e palavra, dom e técnica – procuro situar a cantoria como uma arte detentora de um poder simbólico. Poder que está na palavra-voz cantada, improvisada. Busco compreender quais significados essa palavra-voz assume para cantadores e ouvintes e que implicações têm no desenvolvimento da performance do cantador e na recepção da mensagem pelo ouvinte. Performance que se completa na relação que o cantador mantém com a viola, instrumento inseparável, extensão do corpo e da voz. Ainda nesse capítulo mobilizo um aspecto extremamente complexo e subjetivo presente na narrativa de cantadores e ouvintes da cantoria: a questão do dom. Cantadores e ouvintes referem-se a essa arte como um dom divino e, portanto, essa é uma categoria importante para compreensão do universo simbólico que autoriza esse artista a desenvolver sua arte.
O capítulo seguinte – Estratégias ou segura o remo – toma como base a compreensão das diferentes estratégias que cantadores e ouvintes estabelecem junto à mídia e ao mercado para a manutenção desta poética. Acompanho as mediações utilizadas por esses poetas para se comunicarem com o público. Assim, focalizo a criação de novos gêneros, a produção e venda de CD e DVD, os festivais de cantadores, os programas de rádio e tv, como suportes estratégicos das relações que possibilitam a existência da cantoria em contextos supostamente modernos. Procuro entrever como se dá a relação cantoria-mídia a partir das narrativas.
No terceiro capítulo – O público é tudo? – discuto principalmente a importância dado ao público como elemento fundamental e constituinte dessa arte, que se realiza plenamente em performance na presença do outro. Importa ainda compreender quem é o público da cantoria no contexto sertão-cidade e o que o motiva. Aqui cantadores e ouvintes entram em atuação para estabelecer os significados que cada um assume para o outro e de que forma essa relação dinamiza a cantoria.
No último capítulo, Sou cantador: memórias – valho-me das memórias de diferentes cantadores para que suas palavras possam mostrar-nos os diversos caminhos dessa arte, revelados por histórias de vida que ao serem recriadas oferecem condições para a discussão de uma prática poética que se refaz cotidianamente por meio das gerações que se sucedem. Através dessas memórias foi possível rastrear mudanças, permanências, recorrências, bem como, investigar e conhecer modos de ser, fazer e viver a cantoria.
A publicação da tese de doutoramento em livro foi possibilitada pela Secretaria da Cultura do Estado do Ceará, através do Edital do I Prêmio Literário para Autor(a) Cearense de 2010, destinado à publicação de obras inéditas em romances, poesia, contos, quadrinhos, temas culturais e científicos. Está inserido na categoria Selo editorial – Prêmio Manoel Coelho Raposo. Projeto levado a cabo pelo Laboratório de Estudos da Oralidade, sob a coordenação do Prof. Dr. Alexandre Fleming Câmara Vale, do Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Universidade Federal do Ceará, compondo o Selo Ceará Cadinho. Tendo ainda como parceira a Editora Expressão Gráfica.
Sobre a Autora Simone Oliveira de Castro:
Doutora em Sociologia pela Universidade Federal do Ceará (2009). Mestre em História Social pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (2003). Graduada em História pela Universidade Estadual do Ceará (2000). Professora do Instituto Federal de Educação Ciência e Tecnologia do Ceará nos cursos de: Licenciatura em Teatro, Tecnologia em Gestão Desportiva e de Lazer, Tecnologia em Gestão de Turismo e Técnico em Guia de Turismo. Membro da Comissão Cearense de Folclore; Secretária da Comissão Nacional de Folclore (2009-2012) Conselheira do Conselho Municipal Política Cultural de Fortaleza (2011-2012)
_________________________