Mesmo que ele cruzasse os ares, quis o acaso que a vida de Saint-Exupéry se ligasse ao mar e, principalmente, a pescadores. Em 1998, foi um pescador (Jean-Claude Bianco) a encontrar seu bracelete quando puxou a rede cheia. Era a região de Marselha, à beira do mar Mediterrâneo. Alguns anos mais tarde, mergulhadores investigaram e acharam no fundo daquele mar os destroços do avião em que morrera Saint-Exupéry, e desvendaram o mistério de seu desaparecimento.
Nos tempos idos, quando diretor da Aéropostale, em Buenos Aires, Saint-Exupéry, assim como seus companheiros, fazia escalas no Campeche, em Florianópolis, cidade que mencionará em seu livro Vôo Noturno (1931).
Mas essas passagens teriam caído no esquecimento se não fosse o trabalho de Getúlio Manoel Inácio, filho de “Seu Deca”, ambos pescadores da ilha catarinense, a tirá-las dos escombros num infatigável percurso de recuperação. Seu Deca conheceu Saint-Exupéry e teve com ele uma singela amizade, efêmera porém significativa na curta trajetória do escritor. À maneira do pescador francês, que encontrou o bracelete do piloto e fez chegar a seu avião, Getúlio, a partir das memórias narradas de seu pai, redigiu um pequeno livro, Deca e Zé Perri (2003) para rememorar a ligação entre eles. Seu Deca fez com que se popularizasse, sem dúvida, o “Zé Perri”, abrasileirando o nome de difícil pronúncia do amigo estrangeiro. Assim, pai e filho pescadores fizeram surgir no Campeche a magia de uma história pessoal ao mesmo tempo que registraram, definitivamente, um importante capítulo da aviação na história de Florianópolis e do Brasil. Em seu livro Vôo noturno, na voz de um personagem, Saint-Exupéry, dirá: “Há em toda multidão homens que não distinguimos, mas que são prodigiosos mensageiros. E nem mesmo sabem disso”. Os limites dessas histórias e vidas se assemelham àqueles de seus exploradores: céu e mar.
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* Gerson Amorim, ao abrir sua pousada no Campeche, inspirou-se na narrativa de Getúlio Manoel Inácio e a batizou com o nome de Zeperri. A abertura deste pequeno espaço, realizada com a presença do afilhado de Saint-Exupéry, François D’Agay, que se desloca da França a Florianópolis, homenageia o piloto-escritor e também os que trabalharam continuamente na preservação de sua memória e da história de Santa Catarina.
Crédito Fotos:Praia do Campeche:www.santaebelacatarina.gov.br
Getúlio Inácio e François D’Agay,acervo da autora.
Nota Biobliográfica: MÔNICA CRISTINA CORRÊA
Doutora em Língua e Literatura Francesa. É Tradutora juramentada, tendo traduzido diversas obras literárias É articulista e colaboradora de revistas e periódicos nacionais e estrangeiros. Foi a curadora do “Espaço Zeperri” (2007), em Florianópolis, onde fez exposição sobre a vida e obra de Antoine de Saint-Exupéry e a Aéropostale. Atualmente, faz pesquisa de pós-doutorado sobre relações franco-brasileiras com o apoio da FAPESP.