Amanhã, dia 21 de Agosto, Dia da Cidade, Angra vai homenagear várias personalidades que se distinguiram em diversos campos. Tive a honra de ser a responsável pelo texto de homenagem do meu saudoso amigo Mário Cabral que reproduzo abaixo:
Mário Cabral (1963- 2017)Nasceu em São Mateus da Calheta, Angra do Heroísmo, Ilha Terceira, em 1963; morreu em agosto de 2017. Professor de Filosofia do ensino secundário, Mário Luís da Silva Martins Cabral foi, à vez, um homem Renascentista e um homem da Modernidade com pensamento formado sobre a atualidade, no qual perpassava uma veemente crítica à decadência do Ocidente, recusando os seus excessos de consumismo, de auto-indulgência, de mediatismo e de exposição pública, tão contrários ao seu carácter ético, estético, exigente, profundamente privado.
Escritor, Poeta, Filósofo, cronista com publicações regulares em jornais e revistas literárias, pintor com várias exposições realizadas, Mário Cabral foi das personalidades mais multifacetadas da sua geração. Doutorado com Distinção em Filosofia, pertencia à Ordem Franciscana Secular da fraternidade de Angra do Heroísmo.
Mais conhecido como escritor, com vários livros traduzidos em castelhano, inglês e lituano, o autor publicou várias obras como "História duma Terra Cristã", "O Meu Livro de Receitas", "O Mistério da Casa Indeterminada", "Tratados" ou "O Livro das Configurações". Em 2005-2006 com a publicação de "O Acidente" é distinguido com o Prémio John dos Passos para o melhor romance publicado no país nesse ano.
Mas é com "Via Sapientiae: da Filosofia à Santidade", tese do seu Doutoramento em Filosofia na Universidade de Lisboa, que se vislumbra, à evidência, a sua personalidade rica e multifacetada de intelectual erudito, filósofo rigoroso e católico convicto. Uma obra incontornável para o estudo da história da Filosofia em Portugal e dos seus expoentes máximos entre os quais Agostinho da Silva que o influenciou profundamente.
Tantas vezes incompreendido, nem sempre quis ou soube enquadrar-se na sociedade do seu tempo. Com um pensamento fora da caixa, qual viajante do tempo e do espaço, saltitou entre os ecos do passado e os vislumbres do Futuro, de onde trazia lampejos ora de descrença desassombrada ora de esperança mítica; foi um cidadão do mundo, confortável em qualquer grande metrópole mas acima de tudo foi dos seus, da sua família, dos seus amigos, da sua terra, de Angra do Heroísmo, de São Mateus da Calheta, da sua Casa das Tramóias.
Morreu em Agosto de 2017, após um combate férreo e desassombrado contra o cancro, do qual falou publicamente, sem reservas; uma luta que não enfraqueceu o artista – continuou a escrever até ao fim, produzindo nessa fase alguns dos seus melhores poemas – nem tão pouco o homem de fé que saiu fortalecido. Homem "do espírito e não da carne" como se reclamava, nesta fase reencontra e reconcilia-se com o seu corpo:
"Não te abandonarei meu corpo, agora que mais precisas de mim. (…)
Corpo de carne viva, sem os embaraços soberbos da razão
Que desce comigo de mãos dadas até às vísceras
Ao fim da tarde, em passeio de silêncio e conforto."
Personalidade única, rica, extravagante e controversa, não foi indiferente a ninguém, nem a admiradores nem a críticos que lhe reconhecem a inteligência dos seus argumentos, a profunda convicção nas suas causas e ideais, e a originalidade e criatividade da sua obra.
Foi distinguido, a título póstumo, com a Insígnia Autonómica de Reconhecimento, pela Assembleia Legislativa Regional dos Açores, a 21 de Maio aquando das comemorações do Dia da Região. Agora a 21 de Agosto recebe a título póstumo a Medalha de Mérito do Município.
Sandra Garcia