SERVE UM GINGER ALE
Olsen Jr.
A questão é muito simples: como é que você pode gostar de algo que não conhece? Na condição de escritor ofereço a vista do meu ponto que pode não coincidir com o ponto de vista do leitor.
Um exemplo, não fumo, nunca fumei e jamais vou fumar na vida. No entanto, lembro de um livro do Somerset Maugham “Primeira Pessoa do Singular” em que ele narra, através do personagem, o ato de fumar um charuto… A suavidade, o aroma, a capa firme e até a última baforada quando a fumaça azulada se desvanece no cinzeiro e a melancolia que se segue ao fim do prazer em conflito com todo o esforço e a história do homem para chegar aquele nível de excelência… E por momentos, tive a estranha sensação de querer provar um charuto… Tudo bem, já passou e nunca irei saber… Também não integro nenhuma “patrulha ideológica”, para mim cada um faz o que bem entender do seu corpo e ninguém tem nada com isso…
O que pretendo dizer é que algumas situações ficam impregnadas no teu inconsciente e você não consegue se libertar delas. Permanecem lá e de quando em vez aparecem. Sim, podem ser imagens literárias, suscitadas por boas histórias e tais circunstâncias permanecem aliadas aos fatos em que se deram.
Ex-aluno de colégio Marista e La Sallista (franceses) e também produto da literatura norte americana de qualidade, a chamada “edificante”, estou impregnado destas lembranças… Dos cigarros “Gauloises” com um fumo oriundo de uma mistura síria e turca, forte, portanto sempre associado a “resistência” dos franceses na Segunda Grande Guerra Mundial; dos chocolates “Gala Peter”, sim “Gala” do grego, significa que teve origem no leite e Daniel Peter, nome do sujeito que conseguiu misturar o leite na massa do chocolate, parece fácil, mas levou muito tempo…
E agora chego lá, na loja de conveniências do posto de gasolina, indeciso entre qual bebida escolher, perambulo os olhos pelos sucos, água de coco, refrigerantes e para minha surpresa, anoto “Ginger Ale”… Olha só, penso, não acreditando, depois de quase cinco décadas vou beber pela primeira vez na vida um Ginger Ale… Apanho aquela latinha com o maior carinho, me detenho no rótulo, no logotipo, acaricio a embalagem com uma espécie de veneração afetiva que remonta a dezena de obras em que tal bebida é citada e digo para o meu irmão, essa bebida tem muita história…
Meu irmão não é destes que se impressionam facilmente, ainda mais por uma lata de refrigerante. Menciono que aquela bebida tem uma idade superior a 100 anos, teve seu berço no Canadá e estava difundida por aí, sem a popularidade da Coca-Cola, mas com uma dignidade que teve a ver com bom gosto, resistência e até algum papel decisivo na época da Lei Seca nos nossos vizinhos americanos, quando era misturada com outras de teor alcoólico para diminuir-lhes o efeito ou atenuar-lhes o sabor…
Peço logo dois copos para que ele também experimente… O gás na bebida lembra um espumante o que me faz pensar que deveria ser tomada em taças semelhantes. Faço um brinde rápido e busco sentir logo aquele sabor reprimido em meio século na minha memória… Sensação deliciosa… Fecho os olhos por instantes e estou curtindo aquele momento de prazer quando escuto, do meu irmão “Bah! Isso aqui é Gingibirra” (um refrigerante à base de gengibre) e começa a rir… Exclamo, quer dizer então que depois de tanto tempo, estamos aqui saboreando uma popular, indefectível e prosaica, Gingibirra com um nome ianque?
Depois que ele terminou de rir, ficamos olhando um para o outro até ele me interpelar “O que foi? Está decepcionado?”… — Não! Tentei amenizar — nada disso, mas acredito que você poderia ter dito tudo de outra maneira, pô!
Oldemar Olsen Júnior.Natural de Chapecó,no oeste catarinense.É membro da Academia Catarinense de Letras,cadeira 11.É jornalista profissional com formação em Direito. Fundou, dirigiu e trabalhou em vários jornais de Santa Catarina e sua pena é uma presença constante nos diferentes periódicos impressos que circulam em Santa Catarina, como navega livre por redes sociais,blogues e sites, no mundo virtual. Editor,idealizador e agente cultural atuando na música,nas artes plásticas e no cinema.Um currículo invejável de um homem dedicado às letras e um grande difusor da produção literária catarinenses. Autor de mérito reconhecido em inúmeros prêmios recebidos no País e no Estado em concursos que participou e nos livros publicados.
Reafirmo o que já escrevi em outras oportunidades:”O estilo Olseniano é controverso tal qual Hunter S. Thompson, o herói do Jornalismo Gonzo,traz a força nórdica de seus antepassados, se aventura e transborda numa produção literária que vai da palavra em riste a denunciar contundente a hipocrisia da convivência social e política.Há na sua narrativa um estilo ímpar, inovador, influências de incursões literárias nas obras de E.Hemingway, do luso-americano John dos Passos,do existencialismo cínico de Jean_Paul Sartre e Albert Camus ou ,ainda, de William Faulkner, no seu jeito de escrever contra o ponto de resistência ou de efervescência, de querer atingir o âmago.E,claro, incursões pelo que há de melhor na Literatura Brasileira de todos os tempos.