‘Mist’ (foto de Hélder Blayer Góis)
“Sobre a açorianidade” Entrevista a Onésimo Teotónio de Almeida por Carina Barcelos
CB O discurso sobre a açorianidade centra-se muito no passado, no que já foi feito. Acha que é preciso mudar de paradigma? Tornar o discurso mais contemporâneo?
OTA O discurso de quem? Do governo? Da comunicação social? Desde que escrevo sobre este tema (creio que a primeira vez foi no congresso sobre Literatura Açoriana que organizei na Brown University em 1983 – o volume das actas saiu em 1986) insisti no facto de termos do tipo “açorianidade” não implicarem de modo nenhum uma repetição do passado. Que são termos abertos. O futuro não pode ser uma mera reprodução em fotocópia do passado como se ele fosse um figurino. As sociedades evoluem. A açorianidade amanhã englobará o que os açorianos forem hoje e amanhã. Trata-se de um conceito dinâmico.
Há gente que o usa de modo fixo, mas não tem para isso qualquer justificação teórica porque as culturas não têm de ser estáticas, embora as haja. Também em Portugal há tendência para as pessoas se agarrarem à portugalidade como algo imutável. Mas usam telemóvel e computadores e passam férias nas Caraíbas em vez de irem de caravela para a India.
Desnecessário será acrescentar que isso acontece em todas as culturas.
CB Os Açores parecem estar a viver um tempo sem ideias. Estamos numa sociedade sem amanhã, focada unicamente no passado. O que é que terá contribuído para esta situação?
OTA Sem ideias andamos todos por este mundo à procura de saídas para um impasse que nos deixa sem muitas janelas sobre o futuro. Não se sintam, por isso, muito sós nessa situação aí no meio do Atlântico.
CB Este conceito de açorianidade parece que não passou de geração. A juventudenão se identifica com estes valores. Sente isso?
OTA A juventude toda a vida foi o período da vida em que os seres humanos tentaram reagir contra o que herdaram. Tal como na minha geração e nas precedentes, mais cedo ou mais tarde vão agarrar-se a muitos dos valores que aos poucos foram penetrando o seu subconsciente e deixaram marcas. Se não acreditassse nisso não passaria parte do meu tempo dedicado ao ensino.
CB É preciso apostar mais na sensibilização dos jovens?
OTA A ausência de perspectivas futuras (falta de empregos, por exemplo) desmotiva os jovens. Se vislumbrassem à sua frente posibilidades de crescer, naturalmente envolver-se-iam mais no estudo e no trabalho. Mas também à geração actual de jovens foi e é dado muito, incomparavelmente mais do que à minha geração e às que nos precederam. Obviamente porque os pais de hoje podem dar mais do que os do meu tempo. Mas é verdade também que a geração de jovens actual está muito habituada a receber. E, porque recebeu muito sem se esforçar, naturalmente não conhece outra maneira de estar no mundo. Espera que lhe continuem a dar.
CB Acredita nesta autonomia? No rumo que ela tem vindo a tomar nos últimos anos?
OTA Não sei exactamente a que se refere. Se fosse mais específica na sua pergunta, eu poderia sê-lo também na resposta.
Vivo fora e, para mim, cá de longe escapa-se-me naturalmente muito do dia a dia açoriano. Por isso só posso olhar para realidades do arquipélago como a autonomia de uma perspectiva global. Todavia não serei o único (o coro cá fora é grande!) a pensar que a caminhada autonómica nos Açores foi imensa e os Açores hoje em muitas facetas têm pouco a ver com aqueles em que me criei. A Europa permitiu que a autonomia dos Açores não ficasse apenas na letra da lei, como um cheque sem cobertura, porque a financiou a valer. Terão os açorianos consciência plena de que muito lhes tem sido entregue de mão beijada? Não quer dizer que não o mereçam, pois são em geral muito boa gente, mas que no fundo têm sido imensamente privilegiados?
E obviamente que não estou aqui a fazer propaganda política. Falo em termos gerais dos Açores dos últimos trinta anos.
CB O sonho inicial da autonomia perdeu-se? Como é que isso aconteceu e porquê?
OTA Perdeu-se, ou hoje não se lembram de que há trinta anos ninguém sonhava na possibilidade de se chegar tão longe?
Quando ouço ou leio certas queixas, reconheço nelas não necessariamente falhas da autonomia mas resultado de maleitas antigas, atávicas, impregnadas nos nossos hábitos culturais. São necessárias gerações para nos desenvencilharmos delas. Se para tal houver vontade, evidentemente.
NOTA: Transcreve-se esta entrevista –publicada no Diário Insular— com autorização de Carina Barcelos (email de Onésimo T. Almeida 24 Nov. 2009)
“SATA approaching Corvo” (foto de Hélder Blayer Góis)
‘Caldeirão‘ (foto de Hélder Blayer Góis)