Franklin Cascaes deixou um valioso legado sobre usos e costumes, histórias de bruxarias e magias, além de um acervo riquíssimo de cerâmica figurativa que retratam festas religiosas tradicionais, folguedos populares, crenças e lendas, as alfaias e as tecnologias patrimoniais dos engenhos, da pesca e da agricultura, a labuta diária na criação artesanal de subsistência.
Traduziu melhor do que ninguém o universo artístico, fantástico, mágico que permeava (e permeia) a teia de relações sociais do povo açoriano da Ilha de Santa Catarina. Na sua única obra publicada, O fantástico na Ilha de Santa Catarina (1979 – I volume), estão reunidas doze estórias de um conjunto de vinte e quatro. No enredo, temos a narrativa linear do fantástico contado com extrema singeleza por vozes da Lagoa, do Ribeirão da Ilha, do Pântano do Sul e de outras freguesias. O leitor mergulha num torvelinho e de cada página saltam bruxas, feiticeiras, lobisomens, boitatás, benzedeiras com suas rezas e remédios.
"A bruxa que estava sentada no banco da popa da lancha junto da gaiúta,
onde o pescador estava escondido, era comadre e prima dele. Ela sabia
da presença dele ali, através do seu fado fadórico sobrenatural.(…)
Ao ser desmascarada suas faces enrubesceram, seus olhos esgazearam
e sua fala emudeceu. Recuperando-se, ela afirmou: – Compadre, a terra
de origem deste punhado de areia e deste ramalhete de rosas é a Índia.
Eu aprendi, na minha escola de iniciação à bruxaria, que lá nos Açores,
na terra dos nossos antepassados, as bruxas também costumavam
roubar embarcações e fazer estas viagens extraordinárias entre as ilhas e a
India."
(da crónica "Bruxas Roubam Lancha Baleeira de um Pescador", in: O Fantástico na Ilha de Santa Catarina, 1ºvol.)
O segundo volume de O fantástico na Ilha de Santa Catarina, que só sairia nove anos após sua morte, ou seja, em 1992, traz doze outras estórias. Os textos seleccionados reflectem as andanças de Franklin Cascaes pelo interior da Ilha, no lusco-fusco do entardecer, num dia de prosa nos bancos das vendas com os pescadores da Armação ou do Canto dos Araçás, a contar casos sobre as aparições das praias desertas, os vultos que acenam, misteriosos e desesperados do alto dos paredões dos Naufragados ou ainda causos sobre as bruxas, lobisomens, boitatás, que habitam todos os cantos e recantos da Ilha. Estórias de tempos idos, estórias rememoradas continuamente no tempo e naquele espaço sem limites ou fronteiras a não ser o da linha do horizonte onde o céu e o mar se encontram.
Franklin Cascaes, o bruxo ilhéu que amou a Ilha com a sabedoria de quem conhece o movimento das marés, o sussurrar tinhoso do vento sul e a humildade de quem nasceu no mar das espumas de Itaguaçu, percorreu madrugadas iluminadas pela lua cheia, alçou voos nas asas da imaginação e repousou para sempre no seio da terra amada, a sua Desterro, numa tarde chuvosa do verão de 1983.
"Oh minha Ilha de Santa Catarina,
És uma sereia que enlevas e embalas o mar
Mesmo se morrer distante de ti querida
Quero vir para sempre no teu seio repousar"
Franklin Cascaes in:Canto da Ilha de Santa Catarina,1973