Introducção
Berta Miúdo
Breves palavras introdutórias, antes da ‘ordem da noite’, para agradecer o amável convite do Professor Onésimo Teotónio Almeida, convite aliás movido pelo sentimento, pois acentuava não ser do seu agrado estar sozinho nesta mesa a falar do seu livro.
Ora, nós, sabendo o quão introvertido é, sabendo igualmente o quão desacostumado está destas andanças de apresentações e lançamentos de livros, resolvemos fazer um bloco filosófico solidário e viemos as duas, numa partilha de perspectivas e de leituras, qual ‘balho furado’ da razão.
Passo assim a palavra à minha querida amiga Gabriela Castro.
(Texto da Professora Maria Gabriela Couto Teves de Azevedo e Castro).
Apresentar Onésimo Teotónio Almeida não é tarefa fácil, muito menos na obra que ora se lança “De Marx a Darwin a Desconfiança das Ideologias”. À partida, Marx e Darwin são dois nomes que apontam para perspectivas diferentes, uma tradicionalmente mais ideológica, a outra, mais científica numa dinâmica evolucionista.Gostaria, antes de partilhar convosco a minha leitura da obra, agradecer ao Professor Doutor Onésimo Teotónio Almeida, o ter-nos facilitado a nossa tarefa dispondo-se a dialogar connosco, convidando-nos para o efeito à colocação de questões. Seguindo esta disponibilidade entendi ler a sua obra de modo a procurar lançar-lhe algumas questões e solicitar a sua ajuda para a respectiva compreensão. Bem, apesar de Onésimo Teotónio Almeida ser nome sobejamente conhecido e referência não só académica, em diferentes áreas do saber e em descoincidentes lugares, senti necessidade de conhecer um pouco mais sobre os seus trabalhos, pois todos nós nos reflectimos no nosso próprio estilo, já o disse Merleau-Ponty, e nas temáticas que escolhemos. Assim, comecei por tentar saber um pouco mais sobre o escritor. A verdade é que me ia perdendo na Internet com tanta entrada, links, referências e respectiva informação. Ainda comecei a tentar, pela quantidade, perceber o quanto tinha escrito, desisti! Isto é, escreveu muito. Bem, muito é pouco, porque escreveu muitíssimo, desde livros, artigos a solo ou em conjunto, a participação em Actas, prefácios de livros, lá se encontra de tudo. Por isso, abandonei as novas tecnologias. Estando eu a conversar com alguém que o Professor Onésimo conhece bem, a Doutora Fernanda Enes, disse-lhe da minha tarefa ao que me respondeu, para me descansar… claro!: Ideologias? Esse é o tema do doutoramento dele. Sobre isso sabe ele falar. Bem, podem perceber como fiquei… Interessante que, já lendo o livro, que hoje apresento, no capítulo “Marx morto, Darwin posto? encontrei a seguinte afirmação, na pg 21, que corroborava a informação recebida “influenciado como estava pelas reflexões durante o processo de escrita da tese de doutoramento sobre o conceito de ideologia, em que o primeiro capítulo tentara desmistificar as pretensões do marxismo ao estatuto de ciência, mostrando como ele era uma ideologia e, mais do que isso, uma visão do mundo como outra qualquer, assente sobretudo na opção pela justiça como valor ético fundamental, pressentia que o paradigma marxista começava a soçobrar”. Como se pode verificar a informação da minha amiga em nada me facilitava a tarefa e por isso decidi voltar-me, apenas, para o livro que hoje estamos a lançar.De Marx a Darwin a Desconfiança das Ideologias é uma obra composta por uma introdução , Em jeito de explicação ao leitor, seguida de cinco capítulos, uma conclusão e dois apêndices sobre: “Darwin e os Açores” e “O darwinismo nos Açores: Arruda Furtado , Sena Freitas e não só”.Daqueles cinco capítulos salientarei o 1º subordinado ao tema interessantíssimo “Marx morto, Darwin posto?; o 2º intitulado “A mundividência marxista: um rápido esboço”; passarei para o 4º onde a “Natureza humana e o determinismo biológico” enforma o conteúdo exposto e finalmente a conclusão. O 3º e o 5º capítulos ficaram para a minha colega Berta Pimentel Miúdo. Na introdução intitulada, Em jeito de explicação ao leitor, Onésimo Almeida afirma referindo-se a Darwin e ao facto da força com que a questão religiosa, levantada pela teoria evolucionista, em alguns blogues “assumir, em Portugal, um pouco, embora nem de longe com a veemência com que surge em determinadas hostes norte-americanas, [justificar a sua necessidade de reflexão que lhe vem do interior do seu mundo vivido em terras da América] (…) e serem assim preocupações se calhar demasiado americanas para a sensibilidade portuguesa”, reconhece o autor, mas continua convicto de que o seu trabalho traz a dimensão da partilha do questionamento que une todos aqueles que gostam de pensar.Se a introdução era para ajeitar uma explicação ao leitor, esta passagem, desajeitou-me a explicação pois Ricoeur afirma “O sujeito que interroga deve ser considerado como pertencente à realidade sobre a qual interroga, pois só deste modo, isto é, pertencendo previamente a um mundo, é que podemos interrogarmo-nos sobre o seu sentido. O pressuposto heideggeriano de ser-no-mundo ganha toda a sua inteligibilidade como precedente da reflexão, pois “na verdade, o intérprete nunca conseguirá aproximar-se do que diz o seu texto, se não estiver já posicionado na sua atmosfera de sentido”[1]. Valeu-me a referência de Onésimo a Tomas Kuhn e a Rorty, na pg 24, para me descansar na minha inquietação de falta de mundo americano vivido para a interpretação uma vez que, de acordo com o autor, esses foram os pensadores que melhor ultrapassaram a fronteira linguística e cultural entre os EUA e a Europa, onde me encontro na ultraperiferia.Por toda a obra perpassa a reflexão pessoal sempre fundamentada num profundo conhecimento teórico que vai desde a filosofia clássica à medieval, moderna e contemporânea, passando pela ciência, pela epistemologia, e pela sociologia. Os fundamentos da reflexão em que o autor se apoia para ultrapassar Marx e ressuscitar Darwin, leva-nos pelas páginas de uma obra que se lê com enorme gosto, de um fôlego só, como se costuma a dizer na minha, na nossa terra. A exposição encadeada dos princípios, a tessitura ordenada das fontes e a finura da reflexão, perspicaz e arguta, garantem umas horas de repouso-dinâmico de leitura e longas horas posteriores de reflexão. Um dia disse-me o Professor Jean Ladrière “Si quelque chose nous donne a penser c’est parce que l’a il y a de la philosophie”. Já Kant o havia afirmado e Ricoeur retomado essa mesma máxima quando a aplica ao símbolo afirmando “Le symbole donne à penser”. Este texto de Onésimo é um texto de filosofia, pois faz-nos pensar e leva-nos pela mão adentro do seu pensamento expondo e baralhando, construindo e descontruindo, dando e retirando conforme a questão que o interpela ou a conclusão a que chegou, sempre prenhe de novas hipóteses a explorar. No primeiro capítulo “Marx morto, Darwin posto? Onésimo afirma algo extraordinário, que vou pedir me possa ajudar a compreender: como é que o empirismo impõe uma nova metafísica? pg. 27. Continuando a leitura, entendi ser este um dos vértices das ideias que quer fazer passar nesta obra. Por isso, aquela afirmação encontra eco no capítulo 4, “Natureza humana e determinismo biológico”, na pg 73 onde justifica que nós vivamos cada vez mais dentro de um novo paradigma, o do empirismo racional. Porém, acabou por me deixar sem chão, eu já não estava muito bem, quando na pg 121, já na Conclusão, afirma: “A ciência não é uma metafísica’, recordando Aristóteles.Estes textos, aparentemente vários, contêm a unidade de proporem uma explicação pelos meandros da ciência e suas relações com a filosofia, no entanto fica-nos um pouco a sensação de apenas termos vislumbrado, como Moisés, a Terra Prometida e não termos lá entrado, mesmo com as referências posteriores a Thomas Huxley, o grande divulgador da obra de Darwin, s/ pg. 41 com o seu ensaio sobre o evolucionismo e a ética procurando salvaguardá-la, que Onésimo
reflecte mais profundamente no capítulo intitulado “Natureza Humana e Determinismo Biológico”(4), sumarizada na afirmação do Duarte, na pg 87, ‘Tudo na civilização é contra a natureza”.No segundo capítulo senti uma profunda identificação com os seus alunos. Assim, como é difícil do exterior de uma sociedade cientificamente avançada entender, por exemplo, Bachelard e os seus obstáculos epistemológicos, assim também deverá ser difícil, do interior de uma sociedade capitalista compreender O Capital de Marx. Exige um trabalho de desconstrução da própria realidade em que nos encontramos, um profundo conhecimento de Hegel para se poder entender, como dizia o nosso Professor José Enes: Marx virou Hegel de cabeça para baixo.Como captar em toda a sua amplitude, do interior de uma vivência numa sociedade capitalista, a ideia que está expressa no período da pg 53 “o paraíso terreal existiu de facto, e o ser humano era bom, mas o capitalismo foi, infelizmente, o pecado original que lançou a humanidade na senda de uma história de luta de classes?” É muito interessante a paridade lógica que estabelece entre a metafísica marxista e a cristã: a primeira ordem natural, o pecado original e a segunda ordem natural; aplicando a cada uma das doutrinas as respectivas figuras simbólicas que na dialéctica ganham corpo. Hegel esteve no Seminário de Tubingan e tinha com Schelling a divisa “O reino de Deus” e Marx mantém a mesma dialéctica invertida, interessante…A revisitação, presente no Capítulo 3 está a cargo da minha colega Berta em conjunto com o capítulo 5, pelo que não sendo este um diálogo de violinos é um trabalho onde os acordes se expressam por duas violas da terra.A capa da obra, da autoria de Armando Lopes, no final coloca-nos a questão: quando o primata espreita e olha em frente, o que justifica o Homem? Da minha parte Senhor Professor foi um prazer ler esta sua obra. No final percebe-se perfeitamente o seu sub-título muitíssimo bem conseguido de acordo com o conteúdo que o mesmo enforma.Em terminologia muito sua, espero revisitá-lo, com mais tempo.
Maria Gabriela Couto Teves de Azevedo e Castro
Ponta Delgada, 18 de Novembro de 2009
[1] RICOEUR, Paul, Philosophie de la volonté: II Finitude et culpabilité: 2. La symbolique du mal, Aubier, 1960, 1988, p. 327.
Maria Gabriela Couto Teves de Azevedo e Castro é doutorada em Filosofia Contemporânea, especialidade de Estética e Teorias da Arte, pela Universidade dos Açores, com a dissertação intitulada A imaginação em Paul Ricoeur, filósofo que estuda desde 1988 e que foi também tema das suas provas de APCC, em 1991, com um trabalho subordinado ao tema Os símbolos do trágico em Paul Ricoeur.
É docente da Universidade dos Açores desde 1987, no Departamento de História, Filosofia e Ciências Sociais onde tem leccionado diversas disciplinas aos cursos de História e Filosofia via Ensino, História, Património Cultural, Filosofia via ensino, Filosofia, Arquitectura e Estudos Europeus e Política Internacional. De entre as disciplinas leccionadas salienta-se: Sociedades, Culturas e Civilizações Clássicas, Estética, Hermenêutica Filosófica, Estética e Teorias da Arte, Ontologia, Filosofia da Linguagem, Ética, Filosofia do Espaço e Teoria e Prática das Relações Internacionais. Na dinâmica do ensino promoveu e regeu diversos cursos livres dos quais se destaca: A arte e a experiência estética na quotidianidade”, bem como “O conhecimento de Si e dinâmica de grupo” para o IV Ciclo de Aprendizagem ao Longo da Vida, e ainda o curso “A arte de Viver” e “Estética e Criatividade” para os Ciclos de Aprendizagem ao Longo da Vida, na Universidade dos Açores.
Tem participado em júris de provas académicas, mestrados e doutoramentos, realizados na Universidade dos Açores e na Universidade Nova de Lisboa.
Neste momento é Investigadora Responsável em dois projectos apresentados à Direcção Regional para a Ciência e Tecnologia (DRCT, do Governo dos Açores, nomeadamente um sobre Filosofia para Crianças subordinado ao tema Criatividade e reflexão para a Infância Açoriana – CRIA e outro na área da Estética com a designação de Reflexão Estética sobre a Mundividência da Açorianidade – REMA. Dentro desta dinâmica realizou um Colóquio Internacional sobre Filosofia para Crianças com o tema “Filosofia e Estética: uma escola para os afectos”, em Setembro de 2007 e uma Conferência Internacional subordinada ao tema “Reflexão sobre Mundividências da Sociedade”, em Novembro de 2009.
Desenvolve uma profunda ligação às Escolas Secundárias da Região onde se desloca com frequência para algumas conferências, palestras ou acções de formação.
Participou em alguns colóquios internacionais dos quais se salienta: Colóquio Internacional da Associação de Filosofia Fenomenológica, AFFEN, com a comunicação “Tentativa de fundamentação da imaginação”,na Universidade da Beira Interior, no Colóquio Internacional “Hermenêutica de Paul Ricoeur, os Percursos da Filosofia no Século XX, com a comunicação “Para uma Poética da Vontade”, na Universidade de Évora, bem como participa com regularidade nos Colóquios Internacionais promovidos pelo Instituto Piaget.
É directora do curso de Filosofia desde 2002, foi directora do Centro de Estudos Filosóficos de 2000-2004, foi membro eleito da Comissão Coordenadora Permanente para as Ciências Humanas, do Conselho Científico e é neste momento Directora do Departamento de História, Filosofia e Ciências Sociais
Em 2006/2007 organizou a adequação dos cursos de Licenciatura em Filosofia e Cultura Portuguesa e de Mestrado em Filosofia Contemporânea: valores e sociedade, de acordo com os requisitos de Bolonha.
É autora de um livro intitulado Imaginação em Paul Ricoeur, possuindo vários artigos em diversas revistas da especialidade e obras conjuntas.
Parte da minha vida no Canadá – Cheguei a 11 de Janeiro de 1975 e regressei a S. Miguel a 8 de Maio de 1980. Tenho nacionalidades portuguesa e canadiana.
-07/02/80 a 02/05/80 Assistente Social, Ministry of Community and Social Services, Toronto, Ontário, Canadá
1977 a Jan. 1990 Assistente Social e Comunitária, St. Christopher’s House, Toronto, Ontário, Canadá
-1979/1980 Professora de Português, Toronto Board of Education, Programa “Idiomas étnicos”, Toronto, Ontário, Canadá
– 1975 a 1980 Locutora/Jornalista de TV, Multilingual Television Station, Programas: “Fim de Semana” e “Portugal de Hoje”, Toronto, Ontário, Canadá
-1976 a 1977 Secretária/recepcionista, Portuguese Free Interpreting Services, St. Christopher’s House, Toronto, Ontário, Canadá
-1975 a 1976 Editora do Jornal Açoreano, Toronto, Ontário, Canadá, Professora de Português, Portuguese Community School, Toronto, Ontário Canadá
(cont…)